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Detalhe da Igreja do Rosarinho dos Pretos em Cachoeira, na Bahia |
Música deste post: Trilhos Urbanos, Caetano Veloso
O Recôncavo Baiano é um dos meus lugares favoritos no mundo. Um universo feito de tradições de matriz africana, sabores únicos e uma história riquíssima, iniciada pelos Tupinambás, que povoaram as margens da Baía de Todos os Santos, e levada adiante pelos africanos que moveram os engenhos de cana e as plantações de fumo da região.
Pra você que não é da Bahia, explico: o recôncavo é aquela concha de terra que se enrosca em torno da Baía de Todos os Santos, onde ficam Salvador e as cidades históricas de Cachoeira, São Félix, Maragogipe, Jaguaripe e Santo Amaro da Purificação (mais conhecida por ser a terra de Caetano Veloso e Maria Bethânia).
Região de relevo suave, clima sempre cálido e muito rica em patrimônio histórico, o Recôncavo Baiano é uma ótima opção de esticada para quem visita Salvador.
Neste post, reproduzo a reportagem que escrevi para a edição 1536 da revista Veja, em 1998, uma viagem pelo maravilhosos Recôncavo Baiano.
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Manguezal em Maragogipe |
Viagem ao Recôncavo Baiano
4 de março de 1998 - Quem pensa na Bahia se lembra das igrejas barrocas, dos casarões coloniais, da moqueca e daquela música ritmada e sensual que só os baianos sabem fazer.
Foi esse apelo histórico, gastronômico e musical que fez de Salvador um dos principais destinos turísticos do país, estimulado pelos investimentos do governo do Estado — só a restauração do Pelourinho, iniciada em 1991, já consumiu 50 milhões de reais.
Mas o tempo dos prósperos engenhos e das plantações de fumo também deixou uma rica herança em cidades como Cachoeira, Santo Amaro, Nazaré das Farinhas, Maragogipe e São Félix, localizadas no Recôncavo Baiano — aquela porção de terra que, partindo de Salvador, contorna a Baía de Todos os Santos e encosta do outro lado, na Ilha de Itaparica, segundo polo turístico mais conhecido da região.
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A Ponte Dom Pedro II sobre o Rio Paraguaçu une as cidades
coloniais de Cachoeira e São Félix |
Em Santo Amaro da Purificação, a 81 quilômetros da capital, existem atrações como a Matriz de Nossa Senhora da Purificação que, graças a sucessivas campanhas de Dona Canô — mãe do compositor Caetano Velloso —, teve restaurado seu interior, com pinturas sacras nas paredes, teto e altar. A obra custou 1 milhão de reais.
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Festa da Lavagem da Matriz da Purificação, em Santo Amaro |
O governo estadual restaurou o Solar do Biju, prédio do Século XVIII, onde funciona o campus avançado da Universidade Estadual de Feira de Santana. As obras estão começando no Museu Wanderley de Pinho, antiga sede de fazenda com pinturas, móveis e objetos sacros.
Santo Amaro oferece a comida típica do Recôncavo, que vai da moqueca de siri a pratos como a maniçoba, mistura de carnes salgadas com folhas de mandioca. Quem gosta de turismo ecológico pode ainda partir pelas trilhas que levam à Mata de Saubara, a 10 quilômetros da cidade.
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Os saveiros são parte da paisagem e da identidade do Recôncavo.
Por séculos, foram o principal meio de transporte entre as povoações e engenhos
e com Salvador |
Depois do ferryboat, que liga em 45 minutos Salvador à Ilha de Itaparica, pode-se alcançar de carro Nazaré das Farinhas a 58 quilômetros de distância pela estrada.
As atrações locais são o manguezal nativo, o histórico Solar dos Arcos e o Cine Rio Branco — inaugurado em 1927, é considerado pelo Instituto Britânico de Cinema o mais antigo prédio do gênero no mundo. Fechado desde 1995, o Rio Branco está sendo restaurado e reabrirá em outubro como cinema e centro cultural.
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Sede da Filarmônica Terpsícore Popular de Maragogipe,
fundada em 1880. Uma das orquestras mais tradicionais do Recôncavo, a Lira
também tem papel fundamental na formação de músicos na região |
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Altar-mor da Igreja de São Bartolomeu |
Quem paga a conta é Marcos André Batista Santos, o Vampeta, jogador do Corinthians. Vampeta comprou o prédio por 80 mil reais e vai gastar mais 100 mil com a restauração. “Queria que uma parte do dinheiro que ganhei com o futebol revertesse em benefício da cidade onde eu nasci”, diz o jogador.
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Jaguaripe é uma perolazinha linda do Recôncavo Baiano. Sua Casa de Câmara e Cadeia, do Século 17, é um dos destaques do patrimônio histórico da Cidade |
A cidade é muito procurada por amantes da pesca, que encontram nos rio Jaguaripe e da Dona um viveiro de badejos, tainhas e robalos. Há um ano, a advogada Célia Arandas transformou sua fazenda, às margens do Jaguaripe, numa pousada com piscina, atracadouro e lagoa artificial para pesca. “O Recôncavo tem muito a oferecer em ecoturismo, culinária e sossego”, diz ela.
A 116 quilômetros de Salvador pela recém recuperada BR-420, Cachoeira é o principal destino turístico do Recôncavo. Tombada como monumento nacional, é um museu a céu aberto a ser percorrido a pé e com calma, com paradas na Fundação Hansen Bahia, nas Praças da Aclamação e Aristides Milton, na sede da Capela da Irmandade da Boa Morte, organização religiosa fundada por escravas libertas há 200 anos. Dilapidada pelo tempo, a cidade tem cerca de 200 casarões em estado periclitante.
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Igreja do Carmo de Cachoeira, do Século 18 |
Foi inaugurada em janeiro a primeira etapa do Resort Vale da Cachoeira, dos irmãos Paulo e Eduardo Lobo, advogados de Salvador que nasceram na cidade. O resort, às margens do Rio Pitanga, com três cachoeiras e ruínas de dois antigos engenhos, vai custar no total 1,1 milhão de reais.
Ligada a Cachoeira pela secular Ponte Dom Pedro II, do outro lado do Rio Paraguaçu, São Félix tem o clima das antigas cidades coloniais. Sua principal atração é o centro cultural mantido pela antiga fábrica de charutos Dannemann.
Dali, com mais 30 quilômetros de estrada precária e belas
paisagens, se chega a Maragogipe. Tradicional porto do Recôncavo, a cidade
oferece uma verdadeira farra gastronômica de peixes e camarões. Muito
maltratado num tempo de pouca consciência ecológica, seu manguezal está sendo
replantado. Um passeio de barco revela ruínas históricas do Convento de São
Francisco e as antigas sedes dos engenhos Novo, Velho e da Ponta.
* Matéria Publicada originalmente na Revista Veja, edição n° 1536
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O patrimônio histórico de Cachoeira é encantador. Na foto do centro, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, do final do Século 17 |
Atualizações
Treze anos depois desta reportagem, o Recôncavo Baiano está ainda mais lindo. O surto de investimentos descritos na matéria teve fôlego curto, mas, a partir da segunda metade dos Anos 2000, a região voltou a receber a atenção dos órgãos ligados ao Patrimônio e à Cultura e da iniciativa privada.
A criação da Universidade Federal do Recôncavo trouxe uma nova vida a esse pedaço tão especial do Brasil, especialmente a Cachoeira. Todos os anos, no dia 25 de junho, a cidade assume o posto de capital do estado, em homenagem ao levante de 1822, início da Guerra de Independência da Bahia.
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Cachoeira deve muito à cultura herdada dos africanos e tem comunidades muito engajadas na preservação dos ritos e tradições |
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O Rio Paraguaçu em Maragogipe |
Não consegui apurar o que aconteceu com o Resort Vale da Cachoeira. A Ponte Dom Pedro II acabou de passar por uma reforma e foi reaberta ao tráfego.
A Companhia de Navegação Baiana não existe mais. Foi privatizada e o transporte naval de grande porte, nas águas da Bahia de todos os Santos, foi entregue ao consócio TWB, que opera o sistema de ferries entre Salvador e Bom Despacho. Como o Vapor de Cachoeira do velho samba de roda, o navio de Maragogipe também não navega mais no mar.
O Museu Wanderley de Pinho, infelizmente, continua fechado. Segundo a assessoria da Diretoria de Museus do IPAC, o prédio acabou de receber uma nova reforma, mas não há prazo para sua reabertura. Quando eu era criança, adorava visitar o velho casarão do Século XVIII, antiga sede de engenho de cana.
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Que trabalho perfeito, vai me ajudar muito com a pesquisa dos meus estudantes. 👏🏽👏🏽😘
ResponderExcluirQue bom!
ExcluirParabéns pela postagem. Trabalho muito rico para conhecermos a cultura e história do Recôncavo Baiano.👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
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