Tripulação

07 novembro 2010

Tiwanaku, Bolívia - a casa de Pachamama

Imagem de Pachamama em Tiwanaku na Bolívia
Depois de 70 anos, Pachamama voltou para casa 
(Foto: jornal La Razón)

O ídolo de pedra, de quase 8 metros de altura e 1.800 anos de idade, fica numa sala do pequeno Museu Lítico de Tiwanaku, ao abrigo do sol e da chuva. O Monólito de Bennett — o nome é homenagem ao arqueólogo que chefiou as pesquisas que levaram à sua descoberta — é considerado a relíquia mais preciosa do principal sítio arqueológico boliviano.

Mas é muito mais que isso. Que o diga a mulher de meia idade, em trajes “ocidentais”, comovida diante da imagem. "Pachamama, Pachamama”, repetia ela, de mãos postas, com lágrimas nos olhos, para espanto dos demais visitantes do museu. Ela não falava alto, não fazia alarde. Mas era toda fervor. Até que se ajoelhou diante do ídolo, emocionada.

Porta do Sol de Tiwanaku na Bolívia
Porta do Sol de Tiwanaku na Bolívia
A Porta do Sol de Tiwanaku, no Templo de Kalasasaya, era um calendário agrícola

Contemplando a cena, a dois metros de distância, eu estava descobrindo a Bolívia, um lugar onde o passado não é só uma reminiscência. Uma terra onde as tradições atravessam as vitrines dos museus para fazer parte da vida das pessoas.

Representação de divindade em Tiwanaku na Bolívia
Representação de divindade em Tiwanaku na Bolívia
Representação de divindade em Tiwanaku na Bolívia
Imagens de divindades tiwanakotas encontradas no sítio arqueológico

O Centro Espiritual e Político da Cultura Tiwanaku não é apenas um sítio arqueológico, uma “coisa do passado”. É um elemento ainda não completamente desvendado, mas perfeitamente percebido pelos bolivianos como essencial à formação de sua identidade.

Veja como foi a minha visita a esse sítio arqueológico que conta uma história fascinante:

Visita a Tiwanaku na Bolívia


Templo de Kalasasaya em Tiwanaku na Bolívia
Templo de Kalasasaya em Tiwanaku na Bolívia
Templo de Kalasasaya em Tiwanaku na Bolívia
Os arqueólogos acreditam que as cabeças que decoram o Templo de Kalasasaya sejam representações dos povos conhecidos pelos tiwanacotas

A Nação Aymara reivindica-se descendente dos tiwanacotas. Mesmo o mais urbano e contemporâneo dos paceños fala do poderio do antigo império com orgulho.

Também impressiona o carinho que eles demonstram pelo “Monólito de Bennett”, para eles, a representação da divindade suprema de seus antepassados.

Tiwanaku na Bolívia
Tiwanaku na Bolívia
Apenas 10% da área de Tiwanaku já foi escavada. Em seu auge, a cidade pode ter tido uma população de 50 mil pessoas

Quando os Andes entraram na rota turística, a Bolívia e Tiwanaku eram meros pontos de passagem para os milhares de viajantes, rumo ao esplendor de Machu Picchu. As ruínas da capital tiwanacota eram vistas como algo pitoresco, mas sem grande importância.

Há pelo menos uma década, porém, as pesquisas vêm resgatando a real importância do Império Tiwanacota que, mil anos antes dos Incas, foi o senhor do Altiplano Boliviano e estendeu sua influência por toda a Cordilheira e além.

Templo de Kalasasaya em Tiwanaku na Bolívia
Templo de Kalasasaya em Tiwanaku na Bolívia
O Templo de Kalasasaya é a estrutura mais preservada de Tiwanaku

Especula-se que Tiwanaku, a capital do império, chegou a ter 50 mil habitantes. Segundo as hipóteses mais aceitas, uma seca prolongada teria determinado o declínio e a dispersão dos tiwanacotas.

Hoje, apenas 8% da área da antiga capital estão escavados. O que se presume tenha sido seu monumento mais espetacular, a Pirâmide de Akapana, foi reduzido a quase nada, destruído para a retirada das pedras, pelos colonizadores espanhóis e pelos britânicos, que trouxeram as ferrovias.



Templo de Kalasasaya em Tiawanaku na Bolívia
Templo de Kalasasaya em Tiawanaku na Bolívia
A imagem de Pachamama foi escavada no Templo de Kalasasaya. Hoje, para protege-lo das intempéries, o monólito fica abrigado no Museu de Tiwanaku

O Monólito Ponce, outra representação de uma divindade, foi “exorcizado” pelos espanhóis, que gravaram uma cruz em sem ombro.

Nem Pachamama escapou. Amargou um exílio de sete décadas, iniciado logo após sua descoberta, em 1932.

Tratado como atração “exótica” e expressão de um “povo primitivo", a imagem de Pachamama virou atração turística, exposta em praça pública, perto do Estádio de Futebol, em La Paz. À noite, dizem que a vizinhança o ouvia chorar.

Pirâmide de Akapana em Tiwanaku na Bolívia
Pirâmide de Akapana em Tiwanaku na Bolívia
A partir da chegada dos colonizadores europeus, a Pirâmide de Akapana foi bastante danificada pela retirada de pedras de sua estrutura para outras construções

O exílio de Pachamama nunca foi bem visto pela maioria da população boliviana. Circulavam lendas de que a derrota boliviana na Guerra do Chaco e até uma enchente, ocorrida em La Paz, seriam “castigos” pela humilhação eurocêntrica imposta à divindade nativa.

Finalmente, em 2002, Pachamama retornou a Tiwanaku. Foi recebido com festas, celebrado por dezenas de comunidades Aymaras. Hoje, impressiona a quantidade de bolivianos, em trajes andinos, que visitam a imagem.

Ingresso para o sítio arqueológico de Tiwanaku na Bolívia
Um ingresso combinado dá acesso a todas as atrações de Tiwanaku

Como chegar a Tiwanaku


Todos os dias, de hora em hora (até as 19h), os micro-ônibus partem de La Paz para Tiwanaku. O “terminal” fica na esquina das ruas José Maria Asín e P. Eyzaguirre, na área do Cemitério — lugar onde todo cuidado é pouco, não por causa dos mortos, mas dos muito vivos que andam por lá.

O bilhete custa 15 Bolivianos e a viagem, dependendo do trânsito, dura entre 1h30n e 3 horas. A chegada é na praça central do povoado de Tiwanaku, distante 15 minutos de caminhada da área do sítio arqueológico.

Mercado de artesanato em Tiwanaku na Bolívia
Um pequeno mercado de artesanato funciona no sítio arqueológico

Excursões a Tiawanaku


Nós decidimos contratar um roteiro com a Stop Tours, com transporte, guia, entrada para o sítio arqueológico e almoço incluído, por cerca de US$ 20.

É a forma mais prática e confortável de chegar lá: evita o pinga-pinga do transporte convencional e tem a vantagem da parada no Mirador Lloco Lloco, no meio do caminho, para namorar a Cordilheira Real.

Tiwanaku na Bolívia

Sou bastante alérgica a excursões, mas um guia qualificado faz toda a diferença numa visita a um sítio arqueológico — não tem a menor graça ficar contemplando um monte de pedras sem compreender seu significado. Victor Hugo, nosso guia, demonstrava conhecer bem a área, além de esbanjar aquele orgulho apaixonado dos bolivianos por suas tradições.

O ingresso ao sítio arqueológico de Tiwanaku custa 80 Bolivianos (pouco mais de US$ 10), para estrangeiros.

O sol, nas ruínas, é devastador. Leve boné, óculos escuros, protetor solar e muita água.

Nós almoçamos num pequeno restaurante ao lado da saída das ruínas. Comi um bife de lhama muito saboroso, antecedido pela velha e boa sopinha de quinoa.

Bolívia na Fragata Surprise

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3 comentários:

  1. Só tinha um lugar da Bolívia que eu queria conhecer: Salar de Uyuni. Mas depois da viagem ao Peru, o país ganhou algumas posições da minha wishlist.

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    Respostas
    1. Por aí e Por aqui, eu AMEI a Bolívia! Um povo doce, delicado, paisagens lindíssimas, história, tradição... Acho que por o Peru ser mais badalado, a gente tende a achar que esgota a "página andina" indo pra lá. Mas a Bolívia e o Equador me provaram que os Andes são muito mais diversos e interessantes. Experimente a Bolívia, que vc vai amar. E, by the way, o Titicaca é muito mais lindo na Bolívia que no Peru :)

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  2. Muito bom. Espero conhecer um dia.

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