Meus motivos para amar Atenas

O Partenon sozinho já valeria a visita. Mas Atenas é muito mais do que a Acrópole

Atualizado em setembro de 2024

Quase meia noite e eu vinha voltando a pé para o hotel, percorrendo as ruas estreitas e já quase desertas de Pláka, o bairro mais antigo de Atenas.

Tinha acabado de assistir Para Roma com Amor, de Woody Allen, no Cine Paris, deliciosa “sala” de cinema que funciona num terraço ajardinado, com direito a cheiro de jasmim e vista para a Acrópole  (ver cinema ao ar livre em Atenas, nos meses mais quentes. é uma das grandes tradições modernas da cidade e eu fiquei fã).

Atenas vista da Acrópole, com o Monte Licabeto ao fundo

Vinha respirando aquela felicidade rara que brota das sutilezas e agradecendo intimamente por jamais ter sido prevenida sobre a cidade maravilhosa que eu encontraria em Atenas.

Porque esse encontro com essa cidade deliciosa eu devo exclusivamente à minha teimosia.

A Biblioteca de Adriano (Século 2º d.C.), na Ágora Romana, em Monastiráki. Lá no alto, a Acrópole

Se tivesse seguido os (muitos) relatos de viajantes que circulam na internet, teria resumido a minha passagem por Atenas ao mínimo necessário para ver seus principais sítios arqueológicos e museus. 

Hoje, refletindo sobre as razões do silêncio sobre os encantos da cidade, só posso atribuí-lo ao desejo de cada visitante de guardar Atenas só para si. Afinal, diante daquela cidade, convém despistar a "concorrência" 😉.

O Arco de Adriano (no alto) e o Templo de Zeus Olímpico são atrações menos badaladas de Atenas, mas igualmente imperdíveis. Ficam a 750 metros da Praça Syntagma

Veja o caminhão de motivos que eu tive para me apaixonar perdidamente por Atenas:

5 motivos para amar Atenas

A Torre dos Ventos, na Ágora Romana, é uma construção atribuída ao astrônomo Andrônico de Cirro, que viveu no Século 1º a. C. A estrutura é decorada com relevos representando as oito divindades que representavam os ventos para os gregos antigos. Em seu interior funcionava uma clepsidra (relógio de água)

1 - Atenas não faz pose

Cidades especiais costumam ter um nariz empinado que pode intimidar visitantes mais tímidos.

Paris, por exemplo, tem o tipo de beleza que nos olha de cima. Exibe suas maravilhas com pompa e um certo arzinho de mofa ante o encantamento meio atordoado dos turistas.

Uma escola pública em Pláka, o bairro mais antigo de Atenas

Atenas é o contrário disso: a cidade tem um jeito franco, acolhedor, sem trombetas. É uma cidade de infinitos monumentos e poucos pedestais.

Você vem andando pela rua e tromba com ruínas de dois mil anos de idade, como se fosse a coisa mais normal do mundo elas estarem ali. Como quando você vem driblando a muvuca turística dos bares e lojas de suvenir de Monastiráki e se depara com a Ágora Romana, em frente à estação de metrô. 

O Odeon de Agripa, na Ágora Antiga, tem vista para as construções modernas da cidade

Vestígios arqueológicos no jardim da Igreja de Santa Catarina, em Pláka

Restos das colunas do Templo de Zeus Olímpico contemplam os edifícios contemporâneos da Avenida Vassilis Amalias

Quem sai da Estação de Metrô de Monastiráki (prédio amarelo, à esquerda), já dá de cara com a Ágora Romana

O melhor resumo de Atenas é a área aos pés da Acrópole, no Thisio. Pavimentada com mármores milenares, ela está cercada pelos bosques de pinheiros e ciprestes que sobem as encostas da Acrópole e do Monte Pnyx (que é "apenas" a rocha acolhia as assembleias da primeira democracia do planeta).

O Monte Pnyx, em frente à Acrópole, é a elevação onde se realizavam as assembleias da Democracia Ateniense. A seus pés, fica o gostoso bairro de Thisio. Lá longe, o mar. Repare, ainda, à direita,o Odeon de Herodes Ático, teatro do Século 2º d.C.

Esses arremates de telhado são típicos de Atenas e estão presentes na maioria dos casarões dos bairros mais tradicionais. Você vai encontrar ancestrais deles, com milênios de idade, nos museus arqueológicos da cidade

Num passeio por essa área a gente encontra muitas pequenas preciosidades, como os restos de um mosaico, vestígios de um templo de Zeus ou colunas elegantes entre as árvores.

Esses detalhes que parecem extraordinários aos olhos da turista, estão lá, sem qualquer pompa, fazendo parte do cotidiano, na maior naturalidade.

A Igreja de Agia Marina, no Pnyx. Acima dela, o Observatório Astronômico Nacional da Grécia

A ausência de afetação é tanta que a gente também acaba esquecendo que está caminhando entre maravilhas — e corre o risco de fazer como os atenienses, que aproveitam a temperatura mais amena da região para um footing despreocupado, no anoitecer de verão, mais atentos a suas casquinhas de sorvete do que ao Parthenon, que nos olha lá de cima.

2 - Nada é totalmente passado em Atenas

Com três milhões de habitantes, Atenas ainda preserva toques brejeiros de vilarejo. Por exemplo, ela gosta de intrigar os viajantes com as miniaturas de capelinhas e os marcos de pedra com imagens de santos plantados em suas esquinas.

Marcos e capelinhas abençoam e orientam os viajantes. O da foto do alto fica no bairro de Thisio. Este acima está em uma pracinha de Pláka

Depois a gente descobre que essas capelas são uma tradição antiga da religião ortodoxa, evocando proteção aos caminhantes que percorriam as estradas. E aí a presença delas no meio da metrópole fica ainda mais enternecedora.

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Cena ateniense: o gatinho dorme sobre mármores milenares, alheio ao movimento dos turistas

Leia também:
Museus em Atenas - 4 visitas essenciais

3 - Atenas é suave

Cidades maravilhosas, em geral, têm cara de sala de visitas. Atenas não.

Atenas tem um certo ar de terreiro de fazenda, de varanda, uma simplicidade de quintal que nem seu trânsito infernal e o vai e vem de seus três milhões de habitantes conseguem perturbar.

Uma metrópole que não cheira a fuligem, mas a manjericão, a jasmim e a pinho. Onde as portas das casas parecem dar direto para a rua, sem antessalas, corredores ou mordomos.

Plateia (praça) Monastiráki, coração de um dos bairros mais simpáticos de Atenas

4 - Atenas é acessível

Cidades espetaculares costumam ser caras. Mas não a capital grega.

É possível encontrar hospedagem em Atenas por € 50 em hotéis infinitamente melhores que os de € 80 ou € 90 de Veneza. Até os restaurantes pega-turistas servem refeições decentes (por menos de € 10).

Uma atualização, em setembro de 2024: na viagem de abril/maio deste ano, constatei que os preços em Atenas subiram um bocadinho. Mas pagamos diárias de € 80, em apartamento duplo, em ótimas hospedagens, muito melhores do que as acomodações na mesma faixa de preço em Madri e Lisboa, que vistamos no mesmo roteiro.

Uma boa refeição em Atenas agora custa entre  € 12 e  € 15, em lugares sem luxo.

Veja as dicas aqui:
Hospedagem em Atenas - Thisio e Psyri
Roteiro na Europa - Espanha, Portugal e Grécia

Trajes gregos em uma loja de souvenir em Monastiráki

Os ingressos nos museus de primeira linha de Atenas, (de rasgar a roupa, como o Museu da Acrópole e o Museu Nacional de Arqueologia) custam € 15 em 2024, muito menos do que cobram seus equivalentes em cidades badaladas da Europa Ocidental.

Jardim da igrejinha de Agios Ioannis Theologos (São João Evangelista), em Pláka

Um pátio no bairro de Anafiótika, na encosta da Acrópole

 5 - Atenas tem sabores simples e divinos

Na capital grega, o requinte gastronômico tem o gosto de comida da casa da avó. Por exemplo, moussaka: fatias de batata e berinjela, arrumadas como numa lasanha, e entremeadas com carne moída ao molho de tomate.

Isso sem falar nas lulas, polvos, sardinhas, carneiros e, claro, salada grega: tudo muito saboroso e sem frescuras. A comida grega vai direto ao ponto, não desliza em cascatas, não se esconde em nuvens nem espumas.

Os doces gregos são maravilhosos. Acima, uma baclava gigante. No alto, sua majestade, o Ekmek Kataifi

O capítulo salgado da culinária grega é em linha reta, mas os doces são rococós. A combinação de sabores e texturas, as caldas de mel, os cheiros de especiarias, o visual sofisticado... Quase hipnóticos, semi-alucinógenos, voluptuosos, sensuais.

Qualquer um que experimente uma porção de Ekmek Kataifi vai saber do que estou falando. É uma  massa delicada, feita de amêndoas, embebida em calda de açúcar temperada com limão e canela.

Capela de Agios Eleftherios (Santo Eleutério), do Século 13, no jardim da Catedral de Atenas

A cobertura do Ekmek Kataifi é uma espécie de chantili sem açúcar, feito de leite de búfala. O requinte de crueldade é o pistache moído, polvilhado por cima disso tudo. 

Francamente, não sei onde os deuses estavam com a cabeça quando chancelaram o néctar e a ambrosia como menu oficial do Olimpo, em detrimento do Ekmek Kataifi...

Saiba mais: Onde comer em Atenas

Atenas tem poesia e senso de humor

Só numa coisa Atenas é igualzinha a todas as outras cidades maravilhosas do planeta: ela vive lotada de turistas. E é isso que me intriga. 

Por que a internet não está abarrotada de relatos apaixonados pela capital grega? Talvez porque a maioria dos visitantes se limite a ver apenas os monumentos de Atenas e rumar para as ilhas. Outros, talvez, não queiram concorrência.

Tenho certeza que em algum lugar do mundo deve funcionar uma sociedade secreta — daquelas que têm estatutos e mantos com capuz — de adoradores de Atenas. 

Eles ficarão furiosos com este post e até peço desculpas se acabei com a brincadeira. Mas estou encantada demais para ficar de bico calado. 

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