Museus de Florença - guia de sobrevivência

Galleria dell'Accademia: todo mundo quer ver Davi — e com toda razão

Chicotes e algemas são para os fracos. Prazer com sofrimento mesmo é visitar as espetaculares galerias da Accademia e Uffizi, os dois museus de Florença mais famosos e lotados .

Os acervos da Accademia e da Galleria degli Uffizi são verdadeiras epifanias, mas o processo de vê-los é inevitavelmente resfolegante. Uma overdose de contato físico e posições bizarras – já me peguei admirando um quadro por baixo de um sovaco não identificado — que deixam a gente um caco.

Mas é bom demais!

Tem sempre muito movimento nos corredores da Galleria degli Uffizi. Mas deixe para se assustar quando entrar nas salas onde estão as obras mais famosas 😉

Tão bom que eu não resisto. Em janeiro eu estive pela terceira vez em Florença e — todas as juras anteriores esquecidas — lá estava eu, serelepíssima, na fila para o terceiro capítulo dos 500 tons de todas as cores da paleta renascentista da Galleria degli Uffizi.

E para mais uma maratona de esticação de pescoço para ver o Peladão, vulgo Davi de Michelangelo, na Galleria dell'Accademia.

A Primavera, de Botticelli, é assim

Mas o mais provável é que você a veja assim

É verdade que essa visita de agora foi na altíssima estação em Florença — em janeiro, no movimentadíssimo período das festas entre Natal e Dia de Reis. Mas as visitas anteriores à cidade foram em desenxabidos dias comuns de começo de abril e meados de novembro. O que não mudou foi o mundaréu de gente que encontrei no interior dos dois museus de Florença, especialmente na Uffizi.

A Gallleria degli Ufizzi é a quarta atração cultural mais popular da Itália. Registrou 2 milhões de visitantes em 2016 — atrás apenas no Pantheon, em Roma (7,3 milhões), do Coliseu/Fórum Romano (6,4 milhões) e das ruínas de Pompeia (3,3 milhões).

Gipsoteca Bertolinni, na Galleria dell'Accademia

Coladinha na Uffizi está a Accademia, em quinto lugar no ranking de atrações da Itália, com 1,5 milhão de visitantes no ano passado. 

O clima de lotação esgotada que impera nesses dois museus de Florença pode mesmo interferir no prazer da contemplação das maravilhas de seus acervos.

É por isso que eu criei uma série de "estratégias de sobrevivência" para facilitar minhas visitas, e compartilho as dicas com você neste post, dedicado à Semana dos Museus (MuseumWeek).

A decoração dos tetos dos corredores da Galleria degli Uffizi é um escândalo de bonita. Esta pintura lembra o apreço do Duque Cosimo de Médici às artes e às letras

A Semana dos Museus, que começa nesta segunda-feira (19/6), celebra e divulga essas instituições fundamentais na preservação da memória e do patrimônio cultural pelo mundo.

Como já é tradição, blogueiros de viagem de todo o Brasil também se engajaram na celebração da data com uma blogagem coletiva falando sobre seus museus preferidos.

Veja as participações anteriores da Fragata na MuseumWeek

2014 - Gosta de museus? Vá para Berlim!

2015 - O Museu da Acrópole de Atenas

2016 - Casas-museus: a vida cotidiana de gente muito especial

E aperte os cintos, pois nossa visita à Uffizi e à Accademia vai começar 😊.

Museus de Florença - como organizar a visita

O peladão colossal: Davi, de Michelangelo, a grande estrela da Galleria dell'Accademia

Por que ir à Galleria degli Ufizzi e à Accademia

A Galleria degli Uffizi tem apenas o melhor acervo renascentista do planeta. Você pode ver maravilhas arrebatadoras dessa escola artística espalhadas pelos quatro cantos da terra, mas ouso dizer que nenhum outro museu consegue reunir tantas obras primas, oferecendo um painel tão completo do que foi o Renascimento — esse momento mágico do engenho humano.

Além das obras de Michelangelo, Rafael, Ticiano, Da Vinci e Botticelli, os nomes mais famosos da coleção, uma visita à Uffizi é a chance de contemplar e descobrir outros gênios como Perugino, Filippino Lippi, Fra Angelico, Ghirlandaio...

E de bônus ainda tem uns barrocos de rasgar a roupa, como Caravaggio e sua discípula Artemísia Gentileschi (ando louca pelo trabalho desta mulher). Te convenci? 

O Nascimento de Vênus, de Botticelli, na Uffizi

Eu vou à Galleria degli Uffizi para ver os renascentistas. Mas também me derreto pelo gênio barroco de Caravaggio. Estes são Medusa, pintada em 1596, e Baco, de 1595

Já a Galleria dell’Accademia é famosa basicamente pelo indescritível Davi, de Michelangelo — obra cuja contemplação, paga, sozinha, sua visita a Florença.

O peladão eclipsa tudo a seu redor, mas o restante do acervo da Accademia também é maravilhoso.

A Accademia tem obras pré-renascentistas apaixonantes. Na foto, a Madona do Cinto, de Andrea Giusto Manzini, em primeiro plano

Lá estão os inacabados Prigioni ("prisioneiros"), também de Michelangelo, estátuas projetadas para o túmulo do papa Júlio II — e o fato de as obras não terem sido concluídas, com seus personagens ainda não totalmente libertados do mármore, as torna ainda mais impressionantes, como na escultura Atlante.

Entre os pintores renascentistas, na Accademia você encontrará uma lindíssima Anunciação, de Filippino Lippi, as versões de Santi de Tito, de Bronzino e de Lippi (completada por Perugino) para A Deposição de Cristo da Cruz e obras de Ghirlandaio, Botticelli e Andrea del Sarto.

Na Gipsoteca Bartolinni da Accademia está exposto o estudo definitivo para O Rapto das Sabinas, de Giambologna

Na Gipsoteca Bartolini, a Accademia reúne uma vasta coleção de cópias em gesso de estátuas greco-romanas e estudos para grandes obras, como a moldagem original do Rapto das Sabinas, de Giambologna — uma das esculturas que eu mais amo na vida, e cujo mármore está exposto na Loggia dei Lanzi, na Piazza della Signoria.

Pensa que acabou aí? A Accademia tem uma coleção belíssima de obras pré-renascentistas, dos séculos 13, 14 e 15 — que pouca gente se dá ao trabalho de ver.

A Deposição da Cruz, de Filippino Lippi (esq), na Accademia

A Sala das Miniaturas, na Galleria degli Uffizi

Como comprar ingresso para as galerias Uffizi e Accademia

Para visitar a Galleria degli Uffizi e a Galleria dell'Accademia, comprar o ingresso com antecedência é fundamental para evitar o sofrimento de pegar duas filas — a da bilheteria e a da entrada.

Os Prigioni, de Michelangelo, no corredor que leva á exposição apoteótica de Davi (ao fundo)

Durante muito tempo, a Pietà de Palestrina (à esquerda) teve autoria atribuída a Michelangelo. Hoje, os estudiosos acreditam que a obra seja de Lorenzo Bernini ou de Niccolò Menghini. À direita, detalhe de um dos Prigioni

Também é possível comprar os ingressos com hora marcada para entrar, pagando uma taxa suplementar.

O Polo Museale Fiorentino vende entradas para a Uffizi e Accademia pela internet. Se você vai ficar pouco tempo em Florença, essa é a melhor opção.

Estátuas de grandes artistas decoram a fachada da Uffizi

Na Galleria degli Uffizi, foi absolutamente impossível driblar a multidão para fazer uma foto da Anunciação de Leonardo da Vinci, mas esta linda Anunciação de Botticelli estava livre de muvuca. À direita, a Madona do Magnificat, também de Botticelli

A não ser em casos muito específicos (tipo a visita às casas de Lennon e McCartney, em Liverpool, que tem vagas limitadíssimas), não curto comprar ingresso para museus com muita antecedência, para não ficar amarrada.

Antes de viajar, sou uma pesquisadora obsessiva, exatamente para poder improvisar: quanto mais eu sei sobre o destino, mais consigo inventar um roteiro inesperado, ao sabor do humor do dia.

Ingresso com hora marcada para a Galleria della Accademia. O agendamento custa € 4

➡️ A solução que encontrei em Florença me pareceu bem prática: comprei as entradas para a Galeria degli Uffizi e Accademia quando já estava na cidade, na véspera da visita e com horário de entrada marcado.

Peças sacras dos século 13 e 14, na Accademia

Foi fácil, sem filas e indolor e eu ainda poupei a aporrinhação de ter que descobrir onde trocar o voucher que se recebe por e-mail, em caso de compra pela internet.

➡️ Comprei os ingressos para os dois museus na Accademia (o guichê fica do outro lado da rua, em frente à entrada principal), perto da hora do museu fechar.

É possível fazer o mesmo na Uffizi (na Porta 2), e em um posto de venda de ingressos que funciona ao lado da Igreja de Orsanmichele.

Bonus track: alé de todos os tesouros que tem no recheio, a Galleria degli Uffizi ainda tem vista pra o melhor de Florença

Como receber os ingressos comprados pela internet

Se se você vai ficar pouco tempo em Florença, repito, é uma boa precaução comprar os ingressos com antecedência. Antes de entrar nos museus, é preciso trocar a confirmação recebida via internet pelos bilhetes.

➡️ Na Galleria degli Uffizi, dirija-se à Porta 3, 15 minutos antes da hora marcada para entrar — sem choro nem vela: não adianta chegar antes disso.

➡️ Na Accademia, vá direto para a fila para quem tem hora marcada (procure a plaquinha que diz “prenotato” ou “prenotazione”). Na entrada, sua confirmação será trocada pelo bilhete.

Coleção de Madonnas do Século 15, na Accademia. Abaixo, uma peça de altar pré-renascentista

Mesmo com hora marcada, haverá fila

Pronto, você já tem seu ingresso com hora marcada, agora é só se dirigir à entrada e... tcharâânn.. entrar na fila.

Sim, visitar a Uffizi e a Accademia é ir ao céu sem precisar morrer, mas tem sempre um sofrimentinho. 

Meu ingresso na Accademia estava marcado para as 11 horas (quebrando minha regrinha de ouro de preferir sempre os primeiros horários. Mas, gente, a temperatura média em Florença era de zero grau nos dias que passei na cidade e estava difícil sair da cama muito cedo ).

Hércules e Nesso é uma das obras mais conhecidas da Galleria degli Uffizi. A escultura romana foi restaurada (melhor dizer reconstruída) por Giovanni Caccini, no Século 16

A Galleria degli Uffizi tem uma coleção magnífica de esculturas. Estas são a Cabeça de Zeus e a Vênus Agachada, obras romanas do Século 1º em mármore de carrara

Resolvi chegar 15 minutos antes da hora marcada e encontrei uma fila quilométrica de gente na mesma situação que eu.

Quando soaram as 11 badaladas (literalmente, porque a Igreja de San Marco fica a menos de uma quadra da Accademia e faz questão de repicar os sinos de hora em hora), achei que a fila ia andar, mas ainda foi preciso esperar uns 10 minutos para termos a entrada liberada.

E depois disso ainda tem a espera para passar pelo detector de metais...

Onde tudo começou: depois que Cosimo de Médici passou a reunir sua coleção de arte no terceiro andar da Uffizi, seu sucessor, Francesco, mandou construir a Tribuna, uma sala octogonal com essa bela cúpula (dir), para abrigar as peças. 200 anos depois, em 1769, o Duque Leopoldo de Habsburgo abriu a galeria à visitação pública

Na Uffizi foi a mesma coisa. O bolo de gente na porta do museu era tanto que tive um certo trabalho para confirmar a fila que se dirigia à porta 3 (a entrada de quem tem hora marcada). E a bicha estava quase dobrando o quarteirão. 

Para escapar de todas as filas na Uffizi e na Accademia

Os museus e monumentos históricos italianos estão adotando um regime que permite furar as duas filas — não só a da bilheteria, mas a da entrada.

Basta o visitante tirar o escorpião do bolso: quem compra uma visita guiada em grupo, tem ingresso vip, direto e sem aporrinhações. É o uso do poder econômico aplicado à fruição estética.

O duque Cosimo de Médici mandou construir a Ufizzi para reunir os escritórios dos magistrados de Florença ao lado da residência ducal, o Palazzo Vecchio

➡️ Essa modalidade fura-fila total é oferecida por agências, a preços que variam entre € 32 e € 40, dependendo se há transporte incluído.

Também há guias credenciados que passam pelas filas recrutando candidatos a formar um grupo fura-fila e cobram cerca de € 20 pelo serviço.

Quem vai à Accademia só pra ver Davi corre o risco de perder esses tesouros do acervo do museu

Eu acho que essa opção é igual a ir a um show dos Rolling Stones na pista prime: você paga bem mais caro para ver o que há de melhor de uma expressão artística, mas ainda vai ter que se espremer com um monte de gente que insiste em berrar no seu ouvido e tapar a sua visão.

Sim, porque a entrada é vip, mas lá dentro está todo mundo no mesmo barco — e todo mundo quase escapa de ser hipérbole, neste caso...

Acho esta Pietà, de Perugino, uma das obras mais comoventes da Uffizi. Ela fica na mesma sala da Anunciação de Da Vinci e passa quase despercebida

Como abstrair as multidões durante a visita aos museus de Florença

Quem já foi sabe a dor e a delícia de ver a Uffizi e a Accademia, dois lugares recheados do que há de mais sublime na arte.

Apesar das multidões, do falatório e da disputa por espaço, porém, é possível fazer de sua visita aos museus de Florença uma experiência tão plácida quando o olhar das madonas pintadas pelos mestres.

Eu sempre acho que a Medusa de Caravaggio tá passada com a multidão 😁

➡️ Eu prefiro chegar bem cedo, de manhã, ou mais para o final da tarde, para evitar a hora do rush das excursões — nada contra excursões, mas os grupos grandes costumam provocar mais tumulto do que os visitantes individuais.

➡️ Estudo o mapa dos museus para saber onde estão as obras mais famosas. Se a visita for de manhã cedo, vou primeiro a elas. Se minha visita for à tarde, deixo para o final. Geralmente, essa estratégia me garante encontrar menos concorrência.

A Adoração dos Reis Magos, conjunto de peças de Altar exposto na Accademia

➡️ Outro recurso do qual não abro mão é ouvir música. Além de embalar a visita, abafa o vozerio que tanto me incomoda.

➡️ Por fim, programo tempo suficiente para uma visita sem pressa, com muitas pausas. Quando a muvuca aperta, eu paro para um café, respiro e volto novinha para mais um round.

A área externa da Galleria degli Uffizi. É aqui que você vai fazer fila. Com ou sem hora marcada 😀

⭐ Galleria degli Uffizi
Piazzale degli Uffizi, 6. 

Horário: de terça a domingo, das 8:15 às 18:50h (de junho a setembro, até as 22 horas nas terças-feiras). Fecha no Ano Novo, Natal e 1º de Maio.
Ingresso: € 12,50 (€ 8 na baixa estação). Suplemento para hora marcada € 4.

⭐ Galleria dell'Accademia

Via Ricasoli nº 58-60. 

Horário: de terça a domingo, das 8:15h às 18:50h. Fechada no Ano Novo, Natal e 1° de Maio. Entrada: € 12,50. Suplemento para hora marcada € 4.

Todas as atrações e dicas de Florença

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