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Gran Café Gijón, uma tradição madrilenha |
Passava de uma da manhã e lá estava eu, entretida com um livro e um cálice de jeréz, em uma "mesa de pista" do Gran Café Gijón. Cutia o meu quinhão da vida noturna de Madri sem precisar me preocupar com o fato de estar sozinha e já ter passado dos 40.
O Gran Café Gijón é uma casa legendária no Passeo de los Recoletos. Àquela hora da madrugada, ainda estava animadíssimo por gente que fala alto, gesticula e gargalha — sem perder, contudo, a "medida europeia".
Eu estava lendo (de novo) Por quem os sinos dobram, de Hemingway em um cenário muito apropriado. O Gran Café Gijón foi um dos quartéis generais republicanos durante a Guerra Civil Espanhola.
Mas a cena que se desenrolava fora das páginas do livro acabou tendo muito mais apelo: eu quarentona, era a caçula dos frequentadores do Café Gijón naquela madrugada de frio ameno.
Este é o grande encanto da vida noturna de Madri, com todo respeito às baladas contemporâneas e à memória da Movida Madrileña. Nenhum lugar pode ser mais animado do que uma cidade onde gente com mais de 70 anos ainda se sente "no direito" de curtir uma noitada.
Este é o grande encanto da vida noturna de Madri, com todo respeito às baladas contemporâneas e à memória da Movida Madrileña. Nenhum lugar pode ser mais animado do que uma cidade onde gente com mais de 70 anos ainda se sente "no direito" de curtir uma noitada.
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A vida noturna de Madri não tem idade |
Vida noturna de Madri
Uma cena assim é rara no Brasil: gente mais velha se divertindo, entre amigos, sem a intermediação de filhos e netos, que lhes sirvam de "guias" ou “intérpretes” do mundo da rua.
É outro patamar de cidadania, no qual as oito décadas de vida não reduzem você a avô ou avó de alguém. Ao contrário, ainda lhe permitem existir como indivíduo autônomo, que independe de qualquer grau de parentesco para "autenticar" seu estar-no-mundo.
Essa “cidadania da terceira idade”, tão natural entre os europeus — inclusive os “europeus” de Buenos Aires — estava se expressando bem ali do meu lado e foi longe: meus vizinhos de mesa ainda conversavam animadíssimos, às duas da manhã, quando fui embora do Gijón.
Essa “cidadania da terceira idade”, tão natural entre os europeus — inclusive os “europeus” de Buenos Aires — estava se expressando bem ali do meu lado e foi longe: meus vizinhos de mesa ainda conversavam animadíssimos, às duas da manhã, quando fui embora do Gijón.
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Carrera de San Jerónimo, quase 23h em uma noite de semana (e de inverno) e tinha gente de todas as idades desfrutando de seu quinhão da vida noturna de Madri |
Afinal, ser madrilenho é viver na verdadeira cidade que nunca dorme. Onde mais, à meia noite, as estações de metrô estão abarrotadas de famílias voltando para casa, depois das compras dos presentes do Dia de Reis?
Madri é a cidade onde a garotada de vinte-e-poucos sai de casa para a balada bem depois da uma da madrugada e onde boêmios ainda estão a mil por hora seja lá a que momento do dia.
Andar a pé à noite, em Madri, é um programão. Minha ida ao Gijón foi bem no Dia de los Santos Inocentes (28 de dezembro), que equivale ao 1º de Abril espanhol.
Andar a pé à noite, em Madri, é um programão. Minha ida ao Gijón foi bem no Dia de los Santos Inocentes (28 de dezembro), que equivale ao 1º de Abril espanhol.
A data é comemorada com uma espécie de procissão de perucas absurdas, nas cabeças mais inesperadas — um sujeito de terno, chiquérrimo, passa com um simulacro de cabeleira Toni Tornado, na Gran Via, rumo à happy hour.
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A vida noturna de Madri tem cabelos brancos, mulheres desacompanhadas e um astral imbatível |
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Maio de 2024: euzinha aos 63 curtindo tanto a noite no Barrio de Las Letras que fiz até selfie 😊 |
Todas as noites, desfruto da sensação de segurança que as ruas cheias de gente proporcionam. E ainda descubro algo simpático ou divertido para fazer, seja ouvir a conversa animada dos vizinhos de mesa (falam de política, é claro), seja flertar com os belos madrilenhos que passam apressados (mas não tanto que não olhem...).
Dizem que essa disposição notívaga é consequência da siesta, a soneca pós-almoço que costumava deixar a Espanha deserta entre as 14 e as 17 horas — mas nem nesse horário Madri sossega.
Seja lá a que horas os madrilenhos durmam, devem fazê-lo num muito bem organizado sistema de turnos, garantindo que as ruas estejam sempre cheias, animadas, alegres e cordiais.
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O Gijón tem mesas de mármore, estofados de veludo e uma baita história |
Gran Café Gijón
Passeo de los Recoletos 21
Perto do Museu do Prado e do Museu Thyssen- Bornemisza, o Gijón é uma instituição madrilenha, fundada em 1888. Entre seus frequentadores, Garcia Lorca e o famoso toureiro cuja morte inspirou ao poeta o Llanto por Ignacio Sánchez de Mejias ("Lo demás era muerte y sólo muerte/ a las cinco de la tarde").
Durante a Guerra Civil, o Gijón foi ponto de encontro da Juntas de Defesa de Madri, grupos que lideraram a resistência heroica da cidade contra as tropas de Franco.
Passeo de los Recoletos 21
Perto do Museu do Prado e do Museu Thyssen- Bornemisza, o Gijón é uma instituição madrilenha, fundada em 1888. Entre seus frequentadores, Garcia Lorca e o famoso toureiro cuja morte inspirou ao poeta o Llanto por Ignacio Sánchez de Mejias ("Lo demás era muerte y sólo muerte/ a las cinco de la tarde").
Durante a Guerra Civil, o Gijón foi ponto de encontro da Juntas de Defesa de Madri, grupos que lideraram a resistência heroica da cidade contra as tropas de Franco.
Mas nem a idade nem as memórias conseguem fazer o Gijón parecer solene ou empostado. O astral despretensioso o tornam um adorável lugar para ver Madri.
Dia de los Santos Inocentes
É como o nosso 1º de Abril de antigamente, quando a gente se divertia em pregar peças nos outros. Aqui em Madri, as pessoas usam máscaras, perucas e muitos, muitos apitos e cornetas — um estádio lotado de vuvuzelas não é páreo para a Plaza Mayor, onde um tradicional Mercadillo de Natal vende adereços para a festa.
Dia de los Santos Inocentes
É como o nosso 1º de Abril de antigamente, quando a gente se divertia em pregar peças nos outros. Aqui em Madri, as pessoas usam máscaras, perucas e muitos, muitos apitos e cornetas — um estádio lotado de vuvuzelas não é páreo para a Plaza Mayor, onde um tradicional Mercadillo de Natal vende adereços para a festa.
Os "Santos Inocentes" são os primogênitos hebreus massacrados por ordem de Herodes, na tentativa de exterminar o Messias, no ano de nascimento de Cristo.
Todas as dicas de Madri
A Europa na Fragata Surprise
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