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Claustro de D. Dinis, no Mosteiro de Alcobaça |
A primeira vez que eu vi o Mosteiro de Alcobaça, com o sol de inverno se esparramando sobre sua longa fachada, eu quase levitei.
Perto de Lisboa (120 km) e fácil de chegar, o Mosteiro de Alcobaça tem muito mais do que beleza para oferecer ao visitante.
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Túmulos do rei Pedro I e de Inês de Castro, protagonistas de
uma célebre e trágica história de amor |
Ele é uma crônica eloquente — e de deliciosa leitura — de um capítulo decisivo da História de Portugal. O mosteiro nos fala sobre a “primeira independência" portuguesa, quando Afonso Henriques decidiu transformar sua herança, o Condado Portucalense, em uma nação independente.
E tem, claro, a memória de uma legendária história de amor, o trágico romance entre o rei Pedro I e Inês de Castro, sepultados na igreja do mosteiro.
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Na Igreja do Mosteiro de Alcobaça, predominam as linhas retas e o tom claro da pedra. Este altar, já esmaecido, é um dos poucos toques de cor |
Veja as dicas para organizar sua visita ao Mosteiro de Alcobaça:
Visita ao Mosteiro de Alcobaça, Portugal
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Não se engane com os elementos barrocos na fachada da
igreja: o Mosteiro de Alcobaça é gótico da gema, primeiro exemplar nesse estilo
construído em Portugal |
O que ver no Mosteiro de Alcobaça
De uma ponta a outra do mosteiro, são mais de 200 metros de fachada em linhas puras, uma simetria que faz poucas — e precisas — concessões: só a igreja, no centro do conjunto, exibe adornos marcantes, talhados em pedra clara. Essa diferença é herança de alterações barrocas realizadas no Século 18.
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Ainda na porta da igreja, o imenso vão gótico chega a
intimidar |
Basta entrar na igreja do mosteiro para reconhecer o sotaque medieval: o interior do templo — um vão que avança 100 metros porta adentro, sob uma nave central de 20 metros de altura — vai direto ao ponto, deixando para as colunas, muito esguias e sem rebuscamentos, a função de embasbacar o visitante.
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Janelas e rosáceas enchem a igreja de luz |
Em Portugal, o gótico-tardio é chamado de Estilo Manuelino e também responde pelo encanto de dois outros "narradores" essenciais da epopeia portuguesa: o Mosteiro da Batalha e o Mosteiro dos Jerónimos (Lisboa), dois bardos também muito eloquentes a nos contar a história do país.
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Os túmulos de Pedro e Inês ocupam lugar de destaque na
Igreja do Mosteiro de Alcobaça |
A vastidão destaca a monumentalidade da construção e serve de antessala para os dois túmulos ricamente esculpidos onde estão os restos mortais de Inês de Castro e Pedro I, sozinhos na amplidão do transepto da igreja — onde se cruzam os dois eixos da planta em cruz, típica dos templos cristãos medievais.
Um altar totalmente talhado em pedra, em frente à entrada da cripta, é a única nota de cor e detalhes nesse imenso salão.
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A solidão dos túmulos de Pedro I (no alto) e Inês de Castro é uma visão tocante. Os nos entalhes foram feitos por tropas de Napoleão, durante a invasão de Portugal |
A solidão dos túmulos de D. Pedro e Inês de Castro é uma visão tocante. Mas não esqueça de prestar atenção também no Panteão dos Reis, uma pequena cripta onde estão as sepulturas de outros membros da Casa de Borgonha, e na belíssima sacristia medieval por trás do altar.
De lá, chega-se ao térreo do Claustro de D. Dinis (o rei português fundador da Universidade de Coimbra), uma daquelas belezas que fazem o coração da gente dar uma paradinha.
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O Panteão dos Reis |
Também a partir do claustro se acessa a interessante Cozinha Nova, do Século 15, com sua gigantesca chaminé e o luxo da água encanada, sistema construído a partir de uma série de canais ligados aos rios Alcoa e Baça, que dão o nome à cidade.
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Entrada da sacristia medieval do mosteiro |
No andar superior do mosteiro, o vasto dormitório servia de apartamento ao Abade de Alcobaça e se comunicava diretamente com a igreja, por uma escada que já não existe mais.
A abertura envidraçada que ficou no lugar da escada oferece uma visão do alto para os túmulos de Inês e Pedro.
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Na Sala dos Reis estão representados monarcas dos primeiros séculos de Portugal |
Esse é um bom lugar para ver as gárgulas de pertinho e entender que, muito mais que assustar bons e maus espíritos, essas formas mitológicas tinham a prosaica função de ajudar no escoamento da água da chuva.
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A Cozinha Nova tem uma imensa chaminé e sistema de água
encanada, um luxo para o Século 15 |
O fato é que o rei Afonso — neto do rei de Castela por parte de mãe e descendente dos duques da Borgonha por parte de pai — precisava de aliados, após a ousada manobra de declarar o Condado Portucalense, vassalo da coroa de Leão e Castela, um novo país, em 1139.
O Abade Bernard de Clairvaux, o futuro São Bernardo, era descrito como “o que não era papa, mas fazia papas”.
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Pavimento térreo do Claustro de D. Dinis |
Só para a gente ter uma ideia do poder de Bernado de Clairvaux, ele é o autor das Regras Monásticas que regeram a Ordem dos Templários.
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As arcadas do Claustro de D. Dinis contornam um jardim |
Bernard de Clairvaux também foi o cérebro por trás da Segunda Cruzada, empreitada que foi um fracasso retumbante, em termos militares, mas provocou imensa mobilização na Europa.
Tanto é que a Segunda Cruzada levou pessoalmente ao Oriente o rei da França, Luiz VII, sua rainha na época, Leonor, duquesa da Aquitânia (futura mãe de Ricardo Coração de Leão), e o sacro-imperador germânico Conrado III.
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Dormitório do Abade de Alcobaça |
Fundaram uma escola pública, cultivaram os campos com técnicas avançadas, plantando frutas, olivais e vinhedos.
Os religiosos implantaram oficinas dedicadas à arte sacra, cuidaram da saúde dos camponeses da região e construíram seu lindo Mosteiro de Alcobaça, que acabou virando o grande símbolo da primeira dinastia a reinar em Portugal independente, a Casa de Borgonha, que comandou o país por 244 anos.
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Claustro da Hospedaria visto dos aposentos do Abade. Do
outro lado do jardim fica o pavilhão antes destinado ao alojamento dos noviços |
Afonso Henriques governou e guerreou por 46 anos, período no qual dedicou-se a expandir o território sob seu domínio.
Do Condado Portucalense, cujos limites iam do Rio Lima (em cujas margens estão as cidades de Viana do Castelo e Pontes de Lima) até um pouquinho ao Sul de Coimbra, o reino de Afonso Henriques avançou na conquista de Leiria, Santarém, Lisboa e até o Alentejo, antes sob controle mouro.
Esse avanço sobre território dominado pelos muçulmanos foi chamado, em toda a Península Ibérica, de Reconquista Cristã.
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Refeitório dos monges |
A Abadia de Alcobaça desenvolveu largamente a atividade agrícola, se dedicou à mineração do ferro e é apontada como responsável pelas primeiras indústrias surgidas no país.
O Mosteiro de Alcobaça tinha também o poder de emitir Cartas de Povoação, atuando como um autêntico instituto de colonização, já que definiam o número de famílias, o tamanho das glebas distribuídas e até as culturas que seriam desenvolvidas em seus vastos domínios.
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Podem me julgar, mas acho as gárgulas muito fofinhas 😁 |
O caso de amor de Pedro I e Inês de Castro
Em 1345, Manuela morreu de parto e deixou um herdeiro para a coroa, Fernando. Pedro passou a viver publicamente com Inês — imaginem o escândalo! — com quem teve três filhos, deixando seu pai, o ainda rei Afonso IV, de cabelo em pé.
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Os túmulos de Pedro e Inês vistos do dormitório do Abade |
Seja como for, em 1355 ele ordenou o assassinato de Inês — crime executado na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, onde ela vivia.
(Tirar Inês ao mundo determina/ Por lhe tirar o filho que tem preso. Camões, Os Lusíadas, Canto III).
A solenidade deve ter sido uma cena de rara bizarrice, mesmo na Idade Média (Game of Thrones é para os fracos, crianças...).
Quanto aos assassinos de Inês, reza a lenda que tiveram seus corações arrancados do peito na presença de Pedro — relatos mais radicais dão conta de que o rei teria comido esses corações...
O corpo de Inês de Castro finalmente descansaria em um dos suntuosos túmulos que Pedro mandou talhar e instalar na nave da igreja do Mosteiro de Alcobaça, onde também foi sepultado, em 1367.
O enredo trágico do amor de Pedro I e Inês de Castro é inspiração frequente na literatura portuguesa, passando por Camões — que o incluiu em Os Lusíadas, sua narrativa épica da formação da identidade portuguesa —, Bocage e Alexandre Herculano.
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Detalhes da decoração do túmulo de Inês de Castro |
Eu, sinceramente, jamais consegui dissociar a história de Inês de Castro e Pedro I de seu epílogo grotesco, mas adoro os versos de Camões, que li no início da adolescência e não canso de reler.
Segundo instruções deixadas em testamento por Pedro I, os dois sarcófagos foram dispostos frente a frente, em cada lado da nave da igreja, para que quando ambos ressuscitassem, no dia do Juízo Final, pudessem "se olhar nos olhos".
O sossego do casal não foi completo: durante a invasão das tropas de Napoleão, os túmulos foram profanados e bastante danificados. As marcas dos estragos estão lá até hoje e também fazem parte da história.
São só 122 km de distância, percurso que vai consumir no máximo uma hora e meia, a maior parte dele feito pela Rodovia A-8, um tapete de estrada.
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Desafio seu coração a ficar imune a esta visão |
Mas não acho que o ritmo dessa viagem deva ser o de um videoclipe. A cadência dos decassílabos de Os Lusíadas cai muito melhor nesse mergulho histórico — aliás, se o poema épico de Camões acompanhar você na viagem, vai enriquecê-la lindamente.
Programe umas três horas para ver o Mosteiro de Alcobaça com calma, pois ele é bem grande, tem muitos detalhes e ambientes.
Pequenininha (7 mil habitantes), Alcobaça não tem muito mais para ser visto além do mosteiro e das ruínas de um castelo visigodo muito antigo, anterior ao domínio mouro, no Século 7.
Mesmo assim, pode ser boa ideia passar a noite lá para experimentar os frutos do mar — como os famosos percebes — e os doces locais, especialmente as queijadas.
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Historiadores ainda não conseguiram estabelecer uma data de
construção do castelinho visigodo de Alcobaça, mas sabe-se que ele tem pelo
menos 14 séculos de idade |
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Solar Cerca do Mosteiro, um hotel adorável |
Ele está instalado em uma antiga casa de campo cuidadosamente restaurada, do ladinho do mosteiro e com uma vista espetacular.
Apesar das instalações, atendimento e café da manhã cinco estrelas, o hotel tem preços bem pagáveis: a diária na nossa suíte, para três pessoas, custou €120.
Como chegar a Alcobaça
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Pequenininha, Alcobaça se desenvolveu em torno do mosteiro |
Também é possível ir a Alcobaça de ônibus. A Rede Expressos tem seis frequências diárias entre Lisboa e a cidade.
Entre o Porto e Alcobaça são duas frequências diárias de ônibus. Para maiores informações, horários e preços, consulte o site da empresa.
Ingresso: adultos pagam €6. Maiores de 65 e estudantes pagam meia entrada. Há um passe de €15 que dá acesso aos mosteiros de Alcobaça, Batalha e Tomar, mas só vai valer a pena se você for visitar os três.
A entrada no Mosteiro de Alcobaça é gratuita no primeiro domingo do mês.
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Mosteiro de Alcobaça é um sonho gostava de lá morar mas com um rei gostoso e sem barbas
ResponderExcluirSimplesmente MARAVILHOSO, pena que estive em Portugal, pais lindo, e não visitei este Mosteiro, espero que Deus me permita corrigir esta falta.
ResponderExcluirTomara que vc volte a Portugal e visite esse lindão :)
ExcluirTive a oportunidade de conhecer o mosteiro em maio de 2019. Hoje encontrei seu blog por acaso e adorei ler o relato e relembrar as belezas do lugar.
ResponderExcluirÉ um passeio maravilhoso, né, Indianara?
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