25 julho 2005

A simpatia dos galegos com os peregrinos do Caminho de Santiago

Marco do Caminho de Santiago entre O Porriño e Redondela
Marco do Caminho de Santiago e as clássicas parreiras que oferecem sombra às casas galegas

Caminho de Santiago - percurso de hoje: de O Porriño a Redondela, 17 Km

Salvador (BA), minha cidade, tem a maior colônia galega do Brasil. As cantoras Gal Costa e Ivete Sangalo, por exemplo, são descendentes de imigrantes da Galícia.

Nós, baianos, estamos tão acostumados com a convivência que que esquecemos de associar essa gente pacata e aloirada, geralmente dedicada ao comércio, aos seus antepassados celtas. Na Bahia, aliás, todo mundo que tem cabelo louro acaba chamado de "galego".

Caminho de Santiago entre O Porriño e Redondela
A bruma é parte integrante da paisagem, resultado da umidade que sobe das Rías da Galícia

Os galegos da antiguidade, porém foram guerreiros ferozes, que deixaram muitos romanos de cabelo branco — os “irredutíveis gauleses” dos quadrinhos de Asterix bem que poderiam ter sido inspirados neles.

O Hino da Galícia chama esse pedaço de mundo de "Lar de Breogán", rei celta que daqui teria partido para conquistar a Irlanda.

Andando pela cidade de O Porriño, na minha segunda etapa do Caminho de Santiago, tive meu primeiro contato mais próximo com os descendentes do mítico rei. É gente acolhedora, especialmente interessada e prestativa com os peregrinos.

Caminho de Santiago: de O Porriño a Redondela


Igreja à beira do Caminho de Santiago entre O Porriño e Redondela
Outra constante na paisagem são as igrejinhas com fachada em pedra nua que margeiam o Caminho de Santiago

Neste terceiro dia de jornada a Santiago de Compostela, acordamos antes do dia amanhecer. É 25 de julho, dia do apóstolo São Tiago, o maior feriado galego.

Vamos caminhar os 17 quilômetros que separam O Porriño de Redondela. O trajeto é curto, mas tem uma subida cabeluda, a Rúa dos Cavaleros — uma pirambeira antológica, que, com uns três ou quatro graus a menos de inclinação, seria uma muralha asfaltada.

Caminho de Santiago entre O Porriño e Redondela
Antes de enfrentar a pirambeira épica da Rúa dos Cavaleros deu pra bisbilhotar os simpáticos jardins das casas à beira do caminho

Foi a nossa primeira subida nesse Caminho Português de Santiago — uma rota que consiste, basicamente, no subir e descer as montanhas que formam as Rías da Galícia.

Um trajeto muitas vezes penoso, que eu cumpri com muitas paradas para fotografar, anotar informações ou mesmo dar uma relaxadinha básica, à sombra de alguma árvore, recostada na mochila.

Bosque de pinheiros no Caminho de Santiago entre O Porriño e Redondela
O caminho entre O Porriño e Redondela é bastante verde, cheio de bosques de pinheiros e samambaias

Após a tal Rúa dos Cabaleros, no topo da montanha, encontrei um bosque refrescante, ótimo lugar para uma pausa.

Minha curiosidade nesse bosque era ver o marco miliário romano que sinalizava a antiga rota imperial entre Bracara Augusta (Braga, em Portugal) e Asturica Augusta (Astorga, em Castela e Leão, Espanha).

Quase passei batida, pois o marco romano está numa depressão do terreno, ao lado da estradinha que leva a Santiaguiño de Antas.

Nos arredores do povoado de Santiaguiño de Antas, encontrei uma animada quermesse no Parque de Monte Cornedo — é dia de Santiago, afinal.

Bosque próximo a Santiaguiño de Antas no Caminho de Santiago
Bosque próximo a Santiaguiño de Antas

Bastou a mochila para denunciar minha condição de peregrina. Foi o suficiente para que praticamente todo mundo viesse falar comigo. Queriam saber de onde eu vinha, se estava com fome, com sede. Ofereceram biscoitos, queijo, jamón, chorizo. E vinho, claro.

A partir desse trecho do Caminho de Santiago, começa-se a ter uma vista espetacular para a Ría de Vigo.

As rias da Galícia são como fiordes, braços de mar espremidos entre montanhas muito altas. Também é a partir daqui, de Chã de Pipas, que começa a descida rumo a Redondela.

O inventor da frase “Pra baixo, todo santo ajuda” está me devendo essa. Descer essa pirambeira também foi um esforço grande — em parte compensado pelo entorno muito verde e pelas eventuais vistas da Ría de Vigo.

Ría de Vigo no Caminho de Santiago
A Ría de Vigo avistada no caminho entre O Porriño e Redondela

Cheguei em Redondela por volta das 16h, com muita fome e morta de cansada.

Entrei numa taberna vazia, pedi uma taça de vinho e o cardápio. O dono, atrás do balcão, lamenta: não há mais nada para comer, a essa hora.

Depois, pensa melhor. “Peregrina?”. Respondo que, ao meu modo, sim. “Se a senhora não se incomodar de dividir essa tortilha comigo... Era para o meu almoço, mas é muito grande, dá para dois”.

Tortilha de batatas, prato típico da Espanha
E quem resiste a uma bela tortilla?

Esses descendentes de Breogán sabem fazer um festim e tanto, basta uma dúzia de barraquinhas na orla do bosque ou uma tortilha na geladeira. E a alma generosa, claro.

Os bos e xenerosos/ a nosa voz entenden/e con arroubo atenden/o noso ronco son” (Os Pinos- Hino Nacional da Galícia).

Hórreos ou piornos, os típicos silos da Galícia

Antes de sair de Redondela, tive o prazer de descobrir, afinal, para que servem as "casinhas" suspensas que vi ao longo de todo o caminho.

Silo de grãos típico da Galícia

Os piornos (em galego) ou hórreos (em espanhol) não são capelinhas. São silos para armazenamento da colheita


Tinha imaginado que fossem capelinhas domésticas, mas os hórreos (piornos, em galego) são silos para armazenar grãos. Sobre os pilotis que os sustentam, apoios em forma de discos impedem os ratos subam até o depósito.

Isso tudo quem me explicou foi Juan Durán, dono e garçom do bar onde passei o começo da noite, em Redondela, tomando conhaque e botando as anotações do diário em ordem.

Juan tem parentes em Salvador e sonha em mudar-se para a Bahia — por aqui é raro encontrar alguém que não tenha ao menos um conhecido morando em Salvador.

Onde dormir em Redondela


Albergue de Peregrinos de Redondela, Rota Portuguesa do Caminho de Santiago
O Albergue de redondela fica numa bela torre do Século 16

Albergue de Peregrinos de Redondela
Praça de Ribadavia s/n (Praça da Torre)

O Albergue de Peregrinos de Redondela está instalado em um prédio é muito bonito, uma torre do Século 16, restaurada no início dos anos 2000.

Mas o que adorei mesmo foram as máquinas de lavar e de secar roupa (pagas) disponíveis no albergue.

Já estava exausta de encarar o tanque todas as noites e de sair com a roupa molhada, amarrada do lado de fora da mochila, todas as manhãs.

É bom prestar atenção ao horário de abertura do albergue de Peregrinos de Redondela. Minha amiga Dulce, a primeira a chegar lá, por volta das 13 horas, ficou de castigo na praça esperando o início do horário de admissão, às 17 horas.

O Albergue de Peregrinos de Redondela tem 64 camas.

meu Caminho de Santiago

Hospedagem em Santiago de Compostela - conforto com vibe peregrina
As etapas e as dicas
De Lisboa ao Caminho de Santiago - trem da capital até Valença do Minho
Partida do Caminho de Santiago - Valença do Minho e Tui
Primeiro dia do Caminho de Santiago - 13 km de Tui a O Porriño
O que comer no Caminho de Santiago - e não é que eu quase tropecei num polvo à galega
Cenários Históricos no Caminho de Santiago - 18 km de Redondela a Pontevedra
Cuidados com a saúde no Caminho de Santiago - bolhas, alergias e outros perrengues
Os peregrinos do Caminho de Santiago - 23 km de Pontevedra a Caldas de Reis
A experiência nos albergues do Caminho de Santiago - 17 km de Caldas de Reis a Padrón
A chegada a Santiago de Compostela - 21 km de Padrón a Santiago

Espanha na Fragata Surprise


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