Na Bahia, setembro é tempo de caruru, comida de santo oferecida aos Ibeji, filhos gêmeos de Xangô e Iansã, sincretizados como São Cosme e São Damião.
Os santos católicos são celebrados no dia 27 de setembro, mas o mês inteiro é marcado pelo oferecimento do Caruru de São Cosme, como o baiano carinhosamente abrevia o nome desse banquete africano refinado e irresistível.
Quem nunca provou um caruru de São Cosme não sabe o que está perdendo.
Além do caruru propriamente dito (feito de quiabo picadinho, temperado com amendoim, castanha, camarão seco e azeite de dendê), são servidos vatapá, feijão fradinho, feijão preto, milho branco, pipoca, banana frita, farofa de dendê, inhame, acarajé, pedacinhos de cana-de-açúcar e de coco, rapadura e xinxim de galinha (ensopado com dendê).
Tudo muito bem arrumado no prato, num encantador jogo visual e de texturas, onde a diversidade de sabores traduz perfeitamente a alma da Bahia.
Os santos católicos são celebrados no dia 27 de setembro, mas o mês inteiro é marcado pelo oferecimento do Caruru de São Cosme, como o baiano carinhosamente abrevia o nome desse banquete africano refinado e irresistível.
Quem nunca provou um caruru de São Cosme não sabe o que está perdendo.
![]() |
Caruru completo (esse foi o prato que comi no caruru da casa da minha mãe, em setembro de 2014)
|
Além do caruru propriamente dito (feito de quiabo picadinho, temperado com amendoim, castanha, camarão seco e azeite de dendê), são servidos vatapá, feijão fradinho, feijão preto, milho branco, pipoca, banana frita, farofa de dendê, inhame, acarajé, pedacinhos de cana-de-açúcar e de coco, rapadura e xinxim de galinha (ensopado com dendê).
Tudo muito bem arrumado no prato, num encantador jogo visual e de texturas, onde a diversidade de sabores traduz perfeitamente a alma da Bahia.
Caruru de São Cosme na Bahia
![]() |
Os complementos que não podem faltar: tirinhas do coco,
roletes de cana, pipoca, milho branco cozido, feijão preto cozido, sem caldo |
Como é o Caruru de São Cosme
Para quem não é da Bahia, explico: Cosme e Damião foram dois irmãos gêmeos que viveram na Síria, no Século 3, e foram martirizados por terem aderido ao cristianismo. Os dois eram médicos e entraram para o imaginário cristão como protetores das crianças.
Essas coincidências levaram os dois mártires a a ser sincretizados pelos africanos escravizados na Bahia como os Ibeji — gêmeos que protegem as crianças.
Essas coincidências levaram os dois mártires a a ser sincretizados pelos africanos escravizados na Bahia como os Ibeji — gêmeos que protegem as crianças.
![]() |
Em algumas casas, Cosme e Damião recebem queimados (o nome baiano para "bala" ou "bombom"). Em outras, são servidos com as iguarias da festa, ou farofa de mel |
Tudo no caruru é uma celebração à solidariedade, ao coletivo. Começa no corte do quiabo (uma festa média é um caruru feito com mil quiabos), que mobiliza as vizinhas, as parentas e as amigas.
A tarefa de cortar os quiabos, dependendo da quantidade de comida a ser preparada, pode começar vários dias antes.
Diz a tradição que os santos agradecem a quem se engaja no preparo do caruru. Alguns (poucos) quiabos devem ir para a panela inteiros, pois os premiados com eles, no prato, devem oferecer um caruru no ano seguinte.
A tarefa de cortar os quiabos, dependendo da quantidade de comida a ser preparada, pode começar vários dias antes.
Diz a tradição que os santos agradecem a quem se engaja no preparo do caruru. Alguns (poucos) quiabos devem ir para a panela inteiros, pois os premiados com eles, no prato, devem oferecer um caruru no ano seguinte.
![]() |
Caruru de preceito (que segue o ritual religioso) tem que
ter banana frita |
O mutirão prossegue na hora de servir o caruru, na azáfama das mulheres na cozinha, arrumando com agilidade uma quantidade industrial de pratos, com o capricho artesanal de quem prepara um mimo que o comensal vai partilhar com os santos.
O espírito comunitário continuava durante a festa: bastava saber que um conhecido estava oferecendo um caruru e ir chegando, que a comida sempre dava para todos. Também não era estranho o convidado levar um penetra.
O espírito comunitário continuava durante a festa: bastava saber que um conhecido estava oferecendo um caruru e ir chegando, que a comida sempre dava para todos. Também não era estranho o convidado levar um penetra.
![]() |
Também não podem faltar o acarajé (foto) e o abará. Para o
caruru de preceito, os bolinhos são feitos num tamanho menor do que o que se vê
no tabuleiro da baiana |
Pena que essa generosidade esteja em risco de extinção, com a Bahia cada vez mais aculturada às formalidades dos convites e dos RSVP.
Em minha casa sempre teve Caruru de São Cosme, com direito ao altarzinho dos santos, que eram os primeiros a ser servidos com as iguarias — o conteúdo dos pratinhos de Cosme e Damião era recolhido depois e depositado em área de mata, para complementar o ritual da oferenda.
Em seguida, o caruru era servido a sete crianças. A tradição mandava que o banquete das crianças fosse no chão, forrado com um pano branco, em uma gamela comunitária da qual os pequenos se serviam com as mãos. Lá em casa, o serviço era em pratos, mesmo. Mas já assisti ao ritual autêntico.
O resto dos convidados começava a comer o caruru de São Cosme depois que são servidos os santos e as crianças.
Exatamente como minha mãe aprendeu com Elza, ialorixá que morava à beira de uma lagoa, em um dos coqueirais que embelezavam o bairro da Pituba, antes da especulação imobiliária devastar tudo.
Elza era baiana de acarajé, mulher sábia e solidária que se tornou uma das melhores amigas lá de casa, laço forte e improvável entre uma “pessoa do povo”, como se dizia nos anos 60, e uma família branca de classe média.
Em minha casa sempre teve Caruru de São Cosme, com direito ao altarzinho dos santos, que eram os primeiros a ser servidos com as iguarias — o conteúdo dos pratinhos de Cosme e Damião era recolhido depois e depositado em área de mata, para complementar o ritual da oferenda.
Em seguida, o caruru era servido a sete crianças. A tradição mandava que o banquete das crianças fosse no chão, forrado com um pano branco, em uma gamela comunitária da qual os pequenos se serviam com as mãos. Lá em casa, o serviço era em pratos, mesmo. Mas já assisti ao ritual autêntico.
![]() |
A rapadura, cortada em tijolinhos, também faz parte do prato
de caruru |
O resto dos convidados começava a comer o caruru de São Cosme depois que são servidos os santos e as crianças.
Exatamente como minha mãe aprendeu com Elza, ialorixá que morava à beira de uma lagoa, em um dos coqueirais que embelezavam o bairro da Pituba, antes da especulação imobiliária devastar tudo.
Elza era baiana de acarajé, mulher sábia e solidária que se tornou uma das melhores amigas lá de casa, laço forte e improvável entre uma “pessoa do povo”, como se dizia nos anos 60, e uma família branca de classe média.
Até hoje me comovo com a força do mistério das palavras que ela dizia enquanto me benzia contra o mau olhado, com um galhinho de planta que terminava irremediavelmente murcho — prova de que eu estava “carregada de mau olhado” — ao final da reza.
Ateia como sou, vez por outra me pego lamentando não poder mais recorrer às benzeduras de Elza e com muita saudade da alegria que eu percebia na celebração dos Ibeji em sua casa.
Queria ouvir cantar "Cosme e Damião/ a sua casa cheira/ a cravo e a rosa/ e a flor de laranjeira".
![]() |
Casa de produtos para caruru no mercado da Ceasinha do Rio Vermelho e Sua Majestade, o quiabo, a estrela da festa |
Faz mais de 40 anos que Elza partiu para o Orum e não teve como saber o quanto me ensinou sobre a beleza, a força e a generosidade do povo da minha Bahia, nem o quanto eu sou grata por essa lição.
E por falar em generosidade, obrigada à jornalista Rita Tavarez, que cedeu fotos para este post. Valeu, Ritinha!
Atualização em 29/09/2013: para quem perdeu o Caruru de São Cosme, em dezembro tem mais. O mês é dedicado a Iansã, sincretizada como Santa Bárbara, também celebrada com esse banquete afrobaiano.
Todas as dicas de Salvador - post índice
Curtiu este post? Deixe seu comentário na caixinha abaixo. Sua participação ajuda a melhorar e a dar vida ao blog. Se tiver alguma dúvida, eu respondo rapidinho. Por favor, não poste propaganda ou links, pois esse tipo de publicação vai direto para a caixa de spam.
A Bahia na Fragata Surprise
Que beleza Cyntia! Tudo muito bom, das fotos ao texto. Que Elza esteja com Oxalá! Ana Silvia
ResponderExcluirQue delicia de cerimônia, e que bom que são passados pra outras gerações. Obrigada por compartilhar conosco essa bela tradição!
ResponderExcluirNossa Bahia é LINDAAAAA!! O texto é comovente❤️
ResponderExcluirSim, nossa Bahia é linda, Dior :)
ExcluirLINDISSIMO
ResponderExcluirOlá!! Eu aqui em pleno 2021 lendo essa maravilha de texto, e lembrando que já participei de um caruru de 7 menino a muitos anos atrás, lá em Salvador. Tempos bons.👏👏
ResponderExcluirÉ a magia da Bahia <3
ResponderExcluir