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A Porta d'Amboise, acesso Leste à cidadela dos cruzados de Rodes. Esta ponte cobre um largo fosso que separa o cinturão externo das muralhas dos bastiões internos |
Por mais que eu tente me comportar como uma mocinha, tem horas que é difícil: quando dei de cara com as muralhas da Cidade Medieval de Rodes, a primeira coisa que me escapou foi um palavrão — daqueles de fazer corar frades tão de pedra quanto o colosso diante de mim.
E olha que Istambul e Atenas já haviam me adestrado um bocado nas artes de não perder a compostura frente a maravilhas.
Voltando ao palavrão, ou melhor (muito melhor, pois desconfio que minha mãe lê este blog 😁), voltando ao meu espanto: eu não tinha visto nada, ainda.
Quando cruzei a Porta de São Paulo, estava apenas transpondo a primeira linha das defesas da Cidade Medieval de Rodes, o cinturão externo de muralhas e bastiões.
Muralhas de Rodes
Rodes não foi pilhada nem destruída. Ao contrário, e para nossa sorte, foi muito bem tratada pelos otomanos, que a adornaram com novas construções muito requintadas.
A marca mais forte de Rodes, porém, ainda é a herança deixada pelos cruzados.
Logo após a porta de São Paulo, onde as muralhas são um privilegiado camarote para se contemplar o azul do Egeu, fica a formidável Porta da Marina, que dá acesso à cidade.
Cidade medieval de Rodes
Letreiros, toldos, mesas e mercadorias se esparramam sobre fachadas e calçamento seculares, numa poluição angustiante. Os enormes grupos de turistas, desembarcados dos navios de cruzeiro, parecem não ligar muito para o tumulto.
Enquanto eu procurava uma rota de fuga da muvuca da Plateia (praça) Ippookratous, quase fui atropelada pelos convivas de um casório.
Todos enormes, uniformizados com camisetas de uma agência de turismo e naquela animação tonitruante de quem já caiu na vodka (às dez da manhã!!).
O calor de 35 graus estava derretendo meu meio século de praia, mas não parecia fazer nem cócegas naqueles eslavos, corados feito bebês.
A noivinha, então, parecia ter saído de uma página de revista, nem uma gotinha de suor para conspurcar a maquiagem.
Depois eu descobri que está na moda casar em Rodes, embora o cenário preferido sejam as casinhas brancas da Vila de Lindos.
Diferente da maioria das cidades medievais, o traçado de Rodes surpreende pelas linhas retas, herança da ocupação grega iniciada aqui há mais de quatro mil anos.
A Rua dos Cavaleiros
As antigas hospedarias dos hospitalários franceses e dos italianos estão abertas à visitação, com pequenas exposições artísticas, mas o que vale mesmo é ver as construções por dentro, seus pátios e escadarias de pedra.
Palácio do Grão-Mestre de Rodes
Plateia Kleovoulou, Cidade Medieval de Rodes
Da construção original do Palácio dos Grãos-Mestres da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, do Século 16, resta apenas o pavimento térreo.
O edifício foi severamente danificado pela explosão de um paiol de pólvora, no Século 19. O que se vê hoje (impressionante, sem dúvida), é fruto de uma reconstrução inspirada no, digamos, voluntarismo do ditador fascista Benito Mussolini.
Lindíssimos são os mosaicos encontrados na Ilha de Cós e trazidos para o Palácio dos Cruzados Rodes durante a restauração do edifício.
Os Cruzados de Rodes eram os integrantes da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários de São João, uma das duas mais importantes organizações do tipo — a outra era a dos Cavaleiros Templários. Eles defenderam Jerusalém e outras possessões ocidentais na Terra Santa durante quase três séculos.
Os Hospitalários tomaram Rodes dos bizantinos em 1310, após três anos de cerco, na busca de um lugar para estabelecer seu quartel-general, após a conquista de Jerusalém por Saladino, em 1291.
A cidadela que os cavaleiros cruzados construíram em Rodes, aproveitando as antigas defesas da cidade, que — com muitos acréscimos ao longo dos séculos — começaram a ser construídas no Século 4 a.C.
Antes de cair diante das forças otomanas de Suleiman, o Magnífico, a cidadela dos Cruzados de Rodes resistiu a outros cercos. A resistência mais impressionante foi, possivelmente, a empreendida contra as forças Mehmed II, o sultão que conquistou Constantinopla.
Mehmed II atacou Rodes com nada menos que 100 mil homens e 170 navios, mas não conseguiu vencer aquelas muralhas.
Lá, a Ordem dos Cavaleiros de São João reinou por 268 anos, até serem desalojados por Napoleão Bonaparte, em 1798.
A Grécia na Fragata Surprise
E olha que Istambul e Atenas já haviam me adestrado um bocado nas artes de não perder a compostura frente a maravilhas.
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A Porta Marina era um dos 11 acessos à cidadela dos Cavaleiros de Rodes. Ela fica no cinturão interno das muralhas e era a principal entrada para quem vinha do porto |
Quando cruzei a Porta de São Paulo, estava apenas transpondo a primeira linha das defesas da Cidade Medieval de Rodes, o cinturão externo de muralhas e bastiões.
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Por três séculos, as muralhas de Rodes foram consideradas inexpugnáveis |
E comecei a ter uma ideia de por que a Cidade dos Cavaleiros Hospitalários da Ordem de São João era considerada a mais inexpugnável das cidadelas cristãs, no Século 16.
Veja como é a visita à Cidadela dos Cruzados, em Rodes:
Veja como é a visita à Cidadela dos Cruzados, em Rodes:
Cidade dos Cavaleiros Cruzados de Rodes
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A Porta de São Paulo: do alto da muralha, a vista para o mar muito azul e um pôr do sol inesquecível |
Os quatro quilômetros de muralhas e 11 portas fortificadas da Cidade Medieval de Rodes ajudaram a repelir ataques e desestimularam intenções de conquista por mais de mais de dois séculos.
No assédio final, as muralhas resistiram seis meses inteiros ao implacável cerco otomano, defendidos por apenas 650 cavaleiros da Ordem de São João.
No assédio final, as muralhas resistiram seis meses inteiros ao implacável cerco otomano, defendidos por apenas 650 cavaleiros da Ordem de São João.
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Após vencer o cinturão externo das muralhas, os invasores teriam que atravessar essa esplanada para atacar o círculo interior das fortificações |
Quando os hospitalários se renderam, em dezembro de 1522, eram apenas 180 sobreviventes.
Suleiman II, o sultão otomano que comandou a conquista, deixou-os partir em paz para Malta — atitude bem diferente da adotada pelos ocidentais, que aplicavam pilhagens e massacres sempre proporcionais à resistência dos vencidos.
Suleiman II, o sultão otomano que comandou a conquista, deixou-os partir em paz para Malta — atitude bem diferente da adotada pelos ocidentais, que aplicavam pilhagens e massacres sempre proporcionais à resistência dos vencidos.
A marca mais forte de Rodes, porém, ainda é a herança deixada pelos cruzados.
Logo após a porta de São Paulo, onde as muralhas são um privilegiado camarote para se contemplar o azul do Egeu, fica a formidável Porta da Marina, que dá acesso à cidade.
Cidade medieval de Rodes
Depois do sossego da esplanada entre as muralhas, Rodes parece ferver no tumulto do comércio da Rua Socratous, o coração do antigo bazar turco.
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Rua Socratous, no interior das muralhas de Rodes. No alto, a Mesquita de Suleiman II |
Enquanto eu procurava uma rota de fuga da muvuca da Plateia (praça) Ippookratous, quase fui atropelada pelos convivas de um casório.
Todos enormes, uniformizados com camisetas de uma agência de turismo e naquela animação tonitruante de quem já caiu na vodka (às dez da manhã!!).
A noivinha, então, parecia ter saído de uma página de revista, nem uma gotinha de suor para conspurcar a maquiagem.
Depois eu descobri que está na moda casar em Rodes, embora o cenário preferido sejam as casinhas brancas da Vila de Lindos.
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Alojamento de Cavaleiros Cruzados |
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A Rua dos Cavaleiros reúne o conjunto mais preservado das
construções feitas pelos Cruzados em Rodes |
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E tem até top model fazendo carão para as câmeras da Fragata 😻 |
A Rua dos Cavaleiros
Da Plateia Ippookratous, uma curta caminhada para a esquerda leva até a Rua dos Cavaleiros (Odós Ippotón), impressionante conjunto de edifícios góticos destinado aos alojamentos dos membros da Ordem dos Hospitalários.
Ao longo de 250 metros estão dispostas as fachadas austeras das hospedarias, onde os "monges combatentes" se dividiam por idiomas.
Ao longo de 250 metros estão dispostas as fachadas austeras das hospedarias, onde os "monges combatentes" se dividiam por idiomas.
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O antigo Hospital dos Cavaleiros, do Século 15, hoje abriga o Museu Arqueológico de Rodes. No acervo, peças dos períodos Clássico e Geométrico, além de lápides dos cavaleiros da Ordem de São João |
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No topo da Rua dos Cavaleiros, essa arcada monumental dá acesso ao pátio de entrada do Palácio do Grão-Mestre |
Palácio do Grão-Mestre de Rodes
Plateia Kleovoulou, Cidade Medieval de Rodes
🕒Horário de visitas: de novembro ao final de março, das 8:30h às 15:30. De abril a outubro, das 8h às 20h.
💲Ingressos: €6. A entrada é gratuita nos feriados nacionais, no último final de semana de setembro, no Dia Mundial dos Museus (18 de maio) e em 6 de março, quando a Grécia homenageia sua maior atriz e ministra da Cultura, Melina Mercouri.
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Palácio do Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros de São João |
O Palácio dos Grãos-Mestres da Ordem de São João, no alto da Rua dos Cavaleiros, foi muito maltratado nos séculos que se seguiram à derrota dos Cruzados para os Otomanos, em 1522.
No Século 19, pouco restava de seus pavimentos superiores. Durante a ocupação italiana da ilha, no início do Século 20, os prédios foram reconstruídos.
No Século 19, pouco restava de seus pavimentos superiores. Durante a ocupação italiana da ilha, no início do Século 20, os prédios foram reconstruídos.
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Esta escadaria é um portento |
O edifício foi severamente danificado pela explosão de um paiol de pólvora, no Século 19. O que se vê hoje (impressionante, sem dúvida), é fruto de uma reconstrução inspirada no, digamos, voluntarismo do ditador fascista Benito Mussolini.
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Convertido em museu, o palácio dos Cruzados tem uma rica
coleção de arte, como esses mosaicos trazidos da Ilha de Cós, no Dodecaneso |
Hoje, o Palácio dos Grãos-Mestres abriga um museu imperdível, com achados arqueológicos das antigas ocupações existentes na ilha e objetos pertencentes aos cruzados.
Lindíssimos são os mosaicos encontrados na Ilha de Cós e trazidos para o Palácio dos Cruzados Rodes durante a restauração do edifício.
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O Palácio do Grão-Mestre sofreu muitos estragos após a partida dos Cruzados de Rodes. Foi restaurado e redecorado na década de 1920 |
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Detalhe da sala de reuniões dos Cruzados |
Um pouco da história dos Cruzados em Rodes
Depois de ver o Palácio do Grão-Mestre, não pense que o passeio acabou. Chegou a hora de explorar a parte mais agradável da cidade de Rodes.
Caminhe na direção Oeste, a partir do palácio, rumo à Porta d'Amboise, uma das mais importantes e imponentes das antigas entradas da cidade.
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A Oeste do Palácio do Grão-Mestre fica o trecho mais sossegado da cidadela de Rodes |
Nesse percurso, árvores de copas generosas tornam a caminhada ao longo das muralhas muito mais agradável. Além disso, a ausência de bares e restaurantes restringe a muvuca.
Não deixe de ver o larguíssimo fosso que separa o cinturão externo das defesas das muralhas interiores.
Não deixe de ver o larguíssimo fosso que separa o cinturão externo das defesas das muralhas interiores.
Como eu falei no comecinho deste post, o cinturão externo das muralhas de Rodes tem mais de 4 km de perímetro, com 11 portas fortificadas, fosso, baluartes, torres e outras estruturas defensivas.
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Sem bares, esse trecho da muralha não atrai a muvuca |
Os Cruzados de Rodes eram os integrantes da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários de São João, uma das duas mais importantes organizações do tipo — a outra era a dos Cavaleiros Templários. Eles defenderam Jerusalém e outras possessões ocidentais na Terra Santa durante quase três séculos.
Os Hospitalários tomaram Rodes dos bizantinos em 1310, após três anos de cerco, na busca de um lugar para estabelecer seu quartel-general, após a conquista de Jerusalém por Saladino, em 1291.
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No trecho mais tranquilo da cidadela medieval, o silêncio é embalado pelos acordes de músicos de rua |
A cidadela que os cavaleiros cruzados construíram em Rodes, aproveitando as antigas defesas da cidade, que — com muitos acréscimos ao longo dos séculos — começaram a ser construídas no Século 4 a.C.
Dois anos após os Hospitalários conquistarem Rodes, sua principal “concorrente”, a Ordem dos Templários, foi proscrita, o que aumentou ainda mais a capacidade da Ordem de São João de receber doações e apoios, o que explica em parte a majestade de sua cidade fortificada.
Mehmed II atacou Rodes com nada menos que 100 mil homens e 170 navios, mas não conseguiu vencer aquelas muralhas.
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As muralhas de Rodes eram circundadas por um fosso. Abaixo, a ponte que dá acesso à Porta d'Amboise |
Após perderem sua cidadela em Rodes em 1522 para as tropas de Suleiman, os 180 Hospitalários que sobreviveram ao cerco vagaram de porto em porto, até receberem do papa o controle da Ilha de Malta, em 1530.
Lá, a Ordem dos Cavaleiros de São João reinou por 268 anos, até serem desalojados por Napoleão Bonaparte, em 1798.
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