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A mesa de trabalho de Jorge Amado: Dona Flor, Pedro Arcanjo
e Tieta nasceram desta máquina de escrever que preside a sala principal da Casa
do Rio Vermelho |
Aproveitei os dias entre Natal e Ano Novo na minha cidade pra
sanar uma dívida que eu tinha comigo mesma: vocês acreditam que eu ainda não
tinha visitado a Casa do Rio Vermelho em Salvador?
Logo eu, baiana militante e apaixonada
por casas-museus,
estava perdendo o prazer de passear pelas lembranças do cotidiano doméstico de
Jorge Amado e Zélia Gattai, em um museu aconchegante e luminoso como um final de
tarde com sol e brisa do mar.
A verdade é que a Casa do Rio Vermelho não me era estranha.
Eu já tinha estado lá algumas vezes. A primeira, ainda criança, como visita — quando
delirei com as carambolas que cresciam no jardim e brinquei com a cachorrinha
Capitu, que já havia conquistado o coração do pintor Di Cavalcanti. Depois, voltei como repórter, pra entrevistar Zélia ou Jorge em algumas ocasiões.
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Oxum e Oxóssi, os orixás dos donos da casa, em azulejos de
Carybé |
Sou testemunha, portanto, do jeito afetuoso com que Zélia
recebia a quem subia as escadas da casa nº 33 da Rua Alagoinhas, no
sossegado Parque Cruz Aguiar, uma porção residencial e sossegada do Rio
Vermelho — pra quem não está acostumado com a Bahia, é bom saber que os bairros
de Salvador costumam ter subdivisões com nome e sobrenome e características próprias.
Mas eu ainda não tinha estado no delicioso Museu de Jorge
Amado e Zélia Gattai, que passou a funcionar na casa dos escritores em 2014. E
taí uma vista que eu passo a recomendar a todo mundo. A Casa do Rio Vermelho
fala de 40 anos do amor de Jorge e Zélia, de um cotidiano avarandado, cheio de
amigos, conversas mansas e amor à arte.
Veja as dicas:
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Os amigos esticam a vista por meio de suas obras. Na imagem, a Yemanjá de Mário Cravo, o São Francisco de Volpi |
Vista à Casa do Rio Vermelho
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No jardim da Casa do Rio Vermelho, há sempre uma oferenda
para Exu, orixá responsável pela comunicação dos humanos com o divino, segundo
a religião do Candomblé. A imagem, do ferreiro Mestre Manu, foi uma encomenda
de Jorge e instalada logo na inauguração da casa, em 1961 |
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22 degraus ou um elevador vencem o desnível do terreno e conduzem à Casa do Rio Vermelho |
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O jardim invade a casa pelas vidraças generosas |
A Casa do Rio Vermelho foi plantada em 2 mil m² de um terreno muito arborizado, que se elevam sobre a quietude da Rua Alagoinhas. Uma escada de 22 degraus e um elevador (atualmente fora de serviço) dão acesso ao jardim, onde caixas de som nos trazem, baixinha, a voz de Dorival Caymmi, um dos grandes amigos do casal Zélia e Jorge.
“Mas acontece que eu sou baiano, acontece que ela não é”, canta o bardo do Rio Vermelho.
A canção
Acontece que eu sou baiano, inspirada no paixão nascente de Jorge pela (então) paulistana Zélia, inunda suavemente o verde do jardim, onde foram depositadas as cinzas do casal.
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Guarde um tempinho para sentar em um quiosque do jardim e ouvir a sabedoria de Mãe Stella de Oxóssi explicando como o Candomblé entende o mundo — e entenda porque a religião africana cativou o ateu Jorge
Amado
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O canto de Caymmi também é uma espécie de senha e trailer do que vamos encontrar na Casa do Rio Vermelho: a presença e o dengo dos amigos, que perpetuaram o aconchego encontrado na casa hospitaleira com suas obras de arte penduradas nas paredes, nos bilhetes, cartas e fotografias que agora fazem parte do acervo do museu.
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Os amigos esticavam a presença na casa com suas
obras de arte. Acima, quadros de Emanuel Araújo e de Calazans Neto. Acima, obra
de Carybé dedicada a Jorge, Zélia, João Jorge e Paloma
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Logo na entrada do imóvel, ainda no nível da rua, os azulejos desenhados por Carybé lembram os orixás dos donos da casa. Zélia era de Oxum, Jorge, de Oxóssi.
Por toda parte estão obras de Carybé, Floriano Teixeira, Emanuel Araújo, Mário Cravo, Calazans Neto e Volpi, lembranças de Tom Jobim, Caymmi, Sartre Simone de Beauvoir e outros tantos — mais que frequentadores, personagens da Casa do Rio Vermelho.
Não por acaso, o projeto do museu concebido pelo cenógrafo Gringo Cardia batizou uma das sessões da casa de “A amizade é o sal da vida”.
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"A amizade é o sal da vida". O quarto de hóspedes
da Casa do Rio Vermelho acomodou gente como Jean Paul Sartre e Simone de
Beauvoir
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A Casa do Rio Vermelho foi comprada por Zélia e Jorge em
1960, com o dinheiro da venda dos direitos de adaptação para o cinema do livro Gabriela,
Cravo e Canela. Os funcionários do museu explicam que antes da inauguração da
casa, Jorge Amado pediu a um amigo, o ferreiro Mestre Manu, uma imagem de Exu
para abençoar a futura morada.
A escultura de Exu, consagrada por Mãe Senhora — uma das grandes referências do Candomblé e sacerdotisa do terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá, onde Jorge era Obá — ainda preside os jardins de
Zélia e Jorge e recebe oferendas todas as segundas-feiras.
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Quando Jorge e Zélia compraram e incorporaram o imóvel vizinho, a Casa do Rio Vermelho passou a ter duas cozinhas. Na imagem à direita, Dadá ensina receitas baianas no vídeo |
Além da infinidade de peças físicas, o acervo da Casa do Rio Vermelho conta também com cerca de 30 horas de material audiovisual que ajudam a contar a história do casal de escritores.
É assim que na cozinha da casa a quituteira Dadá (do famoso restaurante Tempero da Dadá), que trabalhou com o casal, aparece explicando a preparação de pratos baianos. No quarto de Zélia e Jorge, o visitante pode ouvir trechos de romances de Jorge que tratam do amor, da paixão e do sexo, no espaço que celebra os “
Amores e amantes amadianos".


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No quarto de Zélia e Jorge, o assunto é o amor
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Nos diversos espaços da casa, as exposições abordam diferentes aspectos da vida de Zélia e Jorge, sempre combinando o acervo pessoal do casal com apoio audiovisual. Os 110 países que o casal visitou (!) são lembrados no espaço "Os Viajantes".
Parte da enorme e interessantíssima coleção de arte popular reunida por eles está exposta nas vitrines da gostosa varanda. O antigo escritório é agora uma biblioteca, onde estão as xilogravuras de Calazans Neto que ilustram o livro Tereza Batista Cansada de Guerra.
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Zélia e Jorge reuniram uma grande coleção de arte popular.
Parte dela está exposta na varanda da Casa do Rio Vermelho
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Um espaço que curti especialmente é o dedicado à militância
política de Jorge, que foi deputado constituinte em 1946 pelo Partido
Comunista.
E foi do deputado Jorge Amado a iniciativa legislativa que assegurou a liberdade de culto no
Brasil. Antes dessa lei, o Candomblé e outras religiões de matriz africana
sofriam severa repressão da polícia — a perseguição ainda existe, mas agora quem mais se encarrega disso são criminosos movidos pela mesma intolerância e racismo.
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Lembranças de viagens e de militância política
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Olha o Camarada Lenin!!
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Marx também comparece ao encontro |
Por conta da perseguição política, Jorge e Zélia viveram
cerca de 17 anos no exílio, entre Paris, Praga e Moscou e parte das memórias
desse tempo estão expostas em uma das salas do museu, com muitos documentos, fotografias,
cartas e estatuetas de Lenin e Karl Marx.
O curioso é que Jorge, com o passar dos anos, acabaria
desenvolvendo uma grande amizade com o caudilho da Bahia, Antônio Carlos
Magalhães, direitista que entrou para a história como “Toninho Malvadeza”.
A Casa do Rio Vermelho é uma visita gostosa, pra ser feita sem pressa. É um pedacinho de Bahia que faz bem pra o coração.
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Na coleção de pratos de Zélia e Jorge tem obras de Carybé (acima) e do compositor Tom Zé (no alto) |
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A biblioteca de Jorge |

A Casa do Rio Vermelho - dicas práticas
Rua Alagoinhas nº 33, Rio Vermelho⇨ Como chegar
Se eu fosse você, ia de táxi ou transporte por aplicativo.
É que o Parque Cruz Aguiar, onde fica a Casa do Rio Vermelho, é um pedacinho muito simpático e sossegado do Rio Vermelho, com pegada residencial e sem circulação de transporte público.
Além disso, não é muito fácil estacionar na Rua Alagoinhas (como nas demais ruas do Parque Cruz), o que desaconselha ir de carro.
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As esculturas representando Zélia e Jorge em um banquinho do
Largo de Santana atraem muita gente para uma foto com o casal
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O pôr do sol no "Largo da Dinha" e a
escultura Odoyá, de Ray Vianna |
Pesquisei agorinha, pra escrever este post, e a tarifa do Uber entre o
Largo de Santana ("Largo da Dinha", para os de fora de Salvador) e a Casa do Rio Vermelho estava em R$ 8. Escolhi esse ponto porque um acarajé e o pôr do sol no largo serão o programa que mais combina, pela distância e temática, com a visita à casa de Jorge Amado e Zélia Gattai.
E é bom lembrar que é no Largo de Santana, em frente à igrejinha velha, que está o banquinho com as estátuas de Jorge e Zélia.
⇨ Horários de visita
A Casa do Rio Vermelho abre de terça a domingo, das 10h às 18 horas (entrada até as 17h). Durante a pandemia, o limite é de 21 visitantes no interior da casa, o que significa que é possível que você precise esperar alguém sair para poder entrar. O tempo da visita também está limitado a 60 minutos, pra dar vez a quem possa estar aguardando.
Na dúvida, ligue antes: ☎ 71-3104-4659. A esquipe da casa é muito eficiente e atenciosa e passa todas as informações bem detalhadinhas.
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Xilogravuras de Calazans para Tereza Batista |
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A lojinha do museu tem livros e lembrancinhas de Jorge e Zélia |
⇨ Ingresso
O ingresso na Casa do Rio Vermelho custa R$ 20. Estudantes e maiores de 60 pagam meia, assim como todos os moradores de Salvador, mediante apresentação de comprovante de residência.
A visita é gratuita para todos às quartas-feiras.
Todas as dicas de Salvador aqui na Fragata
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