Co-Catedral de São João em Malta

Deslumbrante é um adjetivo tímido para descrever a Co-Catedral de São João

No mix de praias, gastronomia e patrimônio histórico que sempre vai ser a base de um roteiro em Malta, tem uma coisa que não pode faltar na sua lista: a visita à Co-Catedral de São João, em Valeta.

A igreja-sede dos Cavaleiros da Ordem de São João (os "cruzados de Malta") é a atração mais famosa do país — e com toda razão. Sua decoração interior, no mais estonteante Barroco, é apontada como uma das obras-primas desse estilo na Europa.

Capela da Língua Anglo-Bávara, uma das oito dedicadas às nacionalidades dos integrantes da Ordem de Malta

Bonita até dizer chega, grandiosa e imponente, a Co-Catedral de São João é também o lar de uma das telas mais famosas de Caravaggio, a Decapitação de João Batista, pintada em 1608 pelo artista italiano que, por um breve período, foi integrante da Ordem dos Cavaleiros de São João.

Localizada no coração de Valeta, a Co-Catedral de São João é a coisa mais bonita que você vai ver em um país que esbanja belezas. Veja como foi minha experiência: 

No Oratório, todo mundo hipnotizado pelas obras de Caravaggio: A Decapitação de São João (no alto) e São Jeronimo (acima)

Visita à Co-Catedral de São João

Primeira recomendação: faça a visita à Co-Catedral de São João sem nenhuma pressa. Eu levei cerca de duas horas e meia percorrendo a igreja, embasbacada com a profusão de detalhes que adornam o templo-sede dos Cavaleiros de Malta.

Depois me conte quanto tempo você ficou parada contemplando o altar-mor da Co-Catedral

Tudo é espetacular na Co-Catedral de São João. O piso é totalmente recoberto de mosaicos em mármore, lápides de cerca de 400 integrantes da Ordem de Malta sepultados na igreja.

E bastaria o altar-mor pra valer a visita à Co-Catedral. A representação do batismo de Cristo por São João, esculpida em 1703 em um único bloco de mármore, parece sugar toda a luz, deixando de coadjuvante a profusão de detalhes decorativos que rodopiam em volta. Lindo demais.

As pinturas no forro da Co-Catedral contam a vida de São João Batista e feitos dos cruzados de Malta

As capelas laterais da Co-Catedral aludem a cada uma das nacionalidades dos cavaleiros cruzados e parecem estar em acirradíssima competição para exibir a decoração mais rebuscada. 

E o forro, ah, o forro é uma vertigem de pinturas narrando a vida de São João Batista e proezas dos cruzados, com destaque para a resistência ao Cerco de Malta.

Dá pra dizer que estonteante é um adjetivo até comedido, se aplicado à Co-Catedral de São João.

A Decapitação de São João Batista, de Caravaggio: drama, beleza e revolução

Quando eu achei que já havia sido sacudida de todas as formas pelos impactos visuais da igreja dos cruzados, cheguei ao Oratório da Co-Catedral e fiquei paralisada diante de A Decapitação de São João Batista, um espetáculo de obra de ninguém menos do que Michelangelo Caravaggio, cara que só não é meu pintor favorito porque o universo também urdiu El Greco e Torres-García.

Realizada em 1608, A Decapitação de São João Batista é apontada por estudiosos como a pintura-ícone do Século 17. Uma revolução estética. 

Eu não entendo tanto de arte assim pra concordar ou discordar, mas a força dramática daquela tela, reforçada pelo famoso chiaroscuro que celebrizou Caravaggio, funcionam como soco de beleza.

Cercada pela decoração feérica, a tela de Caravaggio monopoliza os olhos e acelera o coração

Pela quantidade de gente de boca aberta diante do quadro, acho que não fui a única a levar a cacetada. É difícil desgrudar os olhos, até mesmo para ir procurar outra tela do mesmíssimo Caravaggio, (São Jeronimo), que também está exposta no Oratório da Co-Catedral. 

As capelas da Co-Catedral de São João

Depois de ficar um tempo boquiaberta com Caravaggio e com o altar-mor da Co-Catedral de São João, é hora de explorar as nove capelas laterais da igreja, um alvoroço de beleza, uma palpitação de entalhes, cores, reviravoltas e preciosidades.

Capela da Língua de Aragão

São Miguel Arcanjo na Capela da Língua Provençal

É difícil destacar a mais espetacular dessas capelas, mas a que mais me chamou a atenção é a dedicada a Nossa Senhora de Philermos, um ícone bizantino ao qual são atribuídos diversos milagres. A imagem acompanhou os cruzados de Rodes até Malta e representa a padroeira dos Cavaleiros Hospitalários.

O ícone já não está em Valeta. Foi levado pelos cruzados quando as tropas napoleônicas expulsaram os cavaleiros de Malta, em 1798, e hoje faz parte do acervo do Museu de Arte e História de Cetinje, antiga capital real de Montenegro.

Também chamada de Capela do Santíssimo Sacramento, a Capela de Nossa Senhora de Philermos é adornada por belíssimas pinturas, um altar em mármore e preserva as chaves de fortalezas tomadas pelos cruzados em batalhas que, acreditavam eles, teriam sido vencidas por intercessão da Virgem Maria.

Circulando entre as capelas, a sensação é de estar percorrendo um labirinto de esplendor decorativo. Lá no fundo, o crucifixo da Capela da Língua Alemã

E nunquinha, jamais esqueça de olhar para cima

As outras oito capelas representam as nacionalidades dos integrantes da Ordem de Malta, divididos pelas línguas que falavam e dedicadas aos santos da devoção de cada grupo.

Lá estão a Capela da Língua Auvérnia (França), dedicada a São Sebastião, a Capela da Língua Aragonesa, homenageando São Jorge, a Capela das Línguas Castelhana, Leonesa e Portuguesa, consagrada a São Tiago, a Capela da Língua Anglo-Bávara, que celebra São Carlos Borromeu, Capela da Língua Provençal, devotada a São Miguel Arcanjo, a Capela da Língua Francesa, alusiva à conversão de São Paulo, a Capela da Língua Italiana, oferecida à Imaculada Conceição e a Santa Catarina de Alexandria, e a Capela da Língua Alemã, ofertada à Epifania. 

A Co-Catedral de São João também abriga um museu cheio de preciosidades artísticas. Infelizmente, ele estava fechado no dia em que visitei a igreja. 

A pedra cor de mel típica das construções de Malta "aquece" o visual "comedido" da fachada da Co-Catedral 

Um pouquinho da história da Co-Catedral de São João

Pra entender a importância da Co-Catedral de São João, é bom lembrar sua história. Em 1565, o Império Otomano tentou repetir em Malta o sucesso militar que já havia obtido em Rodes, em 1522. Ao longo de quatro meses, 40 mil soldados turcos assediaram as muralhas da então capital maltesa, Birgù, e as cidades de Senglea e Cospicua.

Sobre o cerco e a conquista de Rodes, veja este post:
Rodes, a cidade dos cavaleiros cruzados  

Imagem de Santiago na Capela das Línguas Castelhana, Leonesa e Portuguesa. No alto, a tumba do grão-mestre Marc'Antonio Zondadari, que comandou a Ordem de Malta no começo do Século 18

Contando com 500 cavaleiros hospitalários, 2,5 mil soldados da ordem e 3 mil combatentes malteses, a Ordem dos Cavaleiros de São João (nome oficial dos cruzados de Malta) resistiu aos turcos, que acabaram desistindo de tomar o arquipélago.

Mas, ao final do cerco, os cruzados decidiram mudar novamente sua capital e construir a cidade de Valeta, em uma península em frente a Birgù (antes, já haviam mudado a capital de Mdina para Birgù). 

Saiba mais sobre as Três Cidades, Malta - o que fazer em Birgù, Senglea e Cospicua

Sobre a deslumbrante primeira capital de Malta - Os encantos de Mdina

Azul e dourado da Capela da Língua Francesa, uma das mais rebuscadas da Co-Catedral de São João

É no contexto dessa vitória por um triz sobre os otomanos que vai ser construída a igreja de São João, originalmente destinada a ser o templo conventual dos cruzados. Só em 1820 a sede espiritual da ordem seria elevada à condição de co-catedral, dividindo funções com a Catedral de São Paulo, localizada em Mdina.

A construção da igreja até que foi rápida. Em apenas cinco anos (de 1572 a 1577), a sede espiritual dos Cavaleiros de São João estava pronta, com sua vasta fachada maneirista, talhada na pedra cor de mel característica de Malta, dominando o centro da nova capital dos cruzados, Valeta.

O esplendor barroco de seu interior, porém, iria esperar cerca de 100 anos para ser acrescentado ao pacote.

Os pisos da Co-Catedral são recobertos por belos mosaicos em mármore. São as lápides dos cavaleiros sepultados na igreja

Os trabalhos da decoração interna da Co-Catedral de São João foram liderados pelo artista calabrês Mattia Preti, que chegou a Malta em 1661, convidado especialmente pelo então grão-mestre Raphael Cotoner para embelezar a igreja. 

A profusão de entalhes e pinturas nas paredes internas e as espetaculares pinturas do forro são os principais trabalhos de Pretti. 

É totalmente permitido ficar embasbacada diante das pinturas de Caravaggio, mas não deixe de olhar as demais obras de arte, tá? 

Caravaggio em Malta

Sabe-se pouco sobre a biografia do cidadão Michelangelo Merisi, que entrou para a história como Caravaggio (o nome de sua cidade natal, na Lombardia). Mas é certo que ele chegou a Malta fugido, já que fora acusado de assassinato em Roma, onde levava uma vida de bebedeiras e arruaças.

Passados nebulosos, porém, não eram inéditos entre os cruzados — abraçar a ordem dos monges combatentes, com voto de castidade e de pobreza, muitas vezes era uma forma de superar biografias digamos... intrincadas.

São Jeronimo, o outro Caravaggio da Co-Catedral

Em Malta, Caravaggio começou a ser comissionado por alguns cruzados para pintar seus retratos. Fez tanto sucesso que acabou admitido na Ordem de São João e viveu um breve período de honras e paparicos.

A festa durou pouco mais de um ano. Logo o pintor estaria novamente foragido, rumo a Nápoles, onde formou vários discípulos, fez dívidas e inimigos.

Em 1610, apenas dois anos após pintar A Decapitação de São João Batista e dividir as águas da pintura com seu radical contraste entre luz e sombra, Caravaggio morreu na Toscana, provavelmente de uma infecção decorrente de um ferimento de espada sofrido em mais uma refrega. 

Tem mais Caravaggio aqui na Fragata:
Dois gênios da luz em Amsterdã: a exposição de Rembrandt e Caravaggio
Caravaggio na Igreja de San Luigi dei Francesi, em Roma
Caravaggio em Nápoles

Entrada de visitantes da Co-Catedral

Co-Catedral de São João

Triq San Gwann s/n (St John’s Square ou Praça de São João)

Entrada de visitantes: Great Siege Square, na Republic Street

Horários: de segunda a sexta, das 9:30h às 16:30h Sábados, das 9:30h às 12:30h. Fechada aos domingos e feriados.

Ingressos: € 15. Estudantes e maiores de 60 pagam € 12. Crianças até 12 anos não pagam entrada, mas precisam estar acompanhadas por um adulto.

O bilhete de entrada na Co-Catedral dá direito ao audioguia, que traz explicações em 8 idiomas (maltês, inglês, francês, alemão, espanhol, japonês e russo).

Capela da Língua Alemã

 Como se vestir para visitar a Co-Catedral de Malta

Evite roupas muito decotadas ou muito curtas, shorts, tops e assemelhados (o que é meio difícil, no calorão que faz em Malta na maior parte do ano). Caso você esteja vestida de modo “muito verão”, a administração da Co-Catedral empresta xales e cangas (mesmo esquema das igrejas e mosteiros ortodoxos da Grécia).

Para não danificar os mosaicos dos pisos da igreja, é proibido entrar usando salto alto.

 

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