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O Caboclo representa os heróis anônimos que participaram das lutas pela Independência na Bahia |
Orquestra Sinfônica Juvenil 2 de Julho - Neojibá, sob a regência do maestro Yuri Azevedo, com vocal de Tatau. Arranjo do maestro Fred Dantas
O Dois de Julho é a festa da Independência na Bahia. Não seria incorreto dizer que é uma celebração cívica, mas isso não explicaria nada. Num Brasil tão conformado em comemorar datas, fatos e personagens que parecem feitos e propriedade da meia dúzia do andar de cima, só indo lá pra ver o orgulho, a alegria e o escracho dos baianos e baianas se afirmando como donos de uma História.
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Maria Quitéria se disfarçou de homem, alistou-se nas tropas baianas e foi condecorada por bravura |
Para saber mais sobre Mara Felipa: Itaparica, veraneio de antigamente
Claro, bastaria o heroísmo anônimo, o protagonismo feminino — a Bahia sempre foi uma terra de mulheres retadas — e a “construção coletiva” pra merecer uma baita celebração da data. Mas para estar à altura do que foi na história, o Dois de Julho é uma grande festa popular, plural, uma solenidade irreverente que é a cara da Bahia.
Sobre o Corneteiro Lopes, leia Dois de Julho em Ipanema
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O Dois de Julho é muito mais do que uma solenidade oficial. É uma festa militante e plural |
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A história do Dois de Julho tem forte protagonismo feminino. A Bahia tem tradição de ser um terra de mulheres retadas (foto de Kau Santana) |
A Festa do Dois de Julho na Bahia
Amanhã, 2 de julho, Salvador vai amanhecer mais bonita e enfeitada do que em qualquer outro dia do ano. Às 5h da manhã, quando começarem a pipocar os rojões da alvorada, lá pras bandas da Lapinha, aposto que já vai ter muito baiano prontinho para a devoção: Dois de Julho é dia de acompanhar os carros da Cabocla e do Caboclo no desfile cívico mais sincrético, plural democrático e inclusivo deste país.Sabe uma parada cívica? Esqueça. O Desfile do Dois de Julho é tudo, menos aquele rito engomadinho. A Bahia celebra sua data máxima gingando o corpo pelo calçamento irregular de ladeiras históricas, parando aqui e ali para um golinho e envergando as cores e adereços de sua predileção.
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O Dois de Julho tem espaço para protestos e celebrações |
O Desfile de Dois de Julho é uma espécie de parada-mostruário das milhares formas de ser baiano. Os metais das bandas e fanfarras vindas de diversos pontos do estado soam lado a lado do toque dos afoxés. Os sindicatos, partidos políticos, igrejas e vêm no embalo. Tem as feministas, a comunidade LGBTQIA+, o Movimento Negro, os estudantes — carregando a bandeira da UNE e vestindo camisetas engajadas ou envergando o uniforme escolar, em blocos liderados por balizas de saiotes e pompons.
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Quando chega no Terreiro de Jesus, o desfile faz uma pausa, antes de ser retomado, depois do almoço, para seguir até o Monumento dos Caboclos, no Campo Grande |
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O Pelourinho está na rota do desfile, que percorre 5 km pelo Centro antigo de Salvador |
A caminhada começa cedo, às 8h da manhã, no Largo da Lapinha. É lá que “moram” os carros do Caboclo e da Cabocla, no Pavilhão Dois de Julho.
Eu jamais consegui chegar na Lapinha a tempo de assistir à largada do Desfile do Dois de Julho. Não tem a menor importância, porque ninguém vai lá pra assistir nada.
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Ainda criança, eu ficava emplogadíssima em ver a Cabocla, representação das mulheres que lutaram pela independência, ser reverenciada em pé de igualdade com o Caboclo |
Problema, mesmo, é o tal intervalo no Terreiro de Jesus. Enquanto a “porção oficial” do cortejo se recolhe pra almoçar, é inevitável cair no cravinho, bebida típica do Centro Histórico de Salvador, sonsa que só ela, ainda mais caindo em estômagos vazios — é ocioso dizer que pra chegar à Lapinha às 8h, é preciso pular o café da manhã.
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Em Cachoeira, no Recôncavo, os combates começaram em 25 de junho de 1822 |
O que você não aprendeu é que muito antes do grito do Ipiranga, baianos e baianAs já estavam engajados na porrada para assegurar um Brasil independente de Portugal.
Em fevereiro de 1822, Salvador já estava em clima de guerra civil contra o ato do governo português nomeando o tenente-coronel Madeira de Melo como comandante de armas na Província da Bahia.
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Cachoeira vista de uma sacada da Câmara Municipal. O edifício era o principal alvo da canhoneira portuguesa |
Durante as escaramuças entre baianos e as tropas da metrópole, naquele fevereiro, a abadessa do Convento da Lapa, Joana Angélica, acabaria assassinada a golpes de baioneta por soldados portugueses. A versão mais aceita é que os lusitanos pretendiam invadir a clausura do convento, onde as freiras tinham dado refúgio a combatentes baianos.
Em 14 de junho de 1822, a Câmara de Santo Amaro da Purificação (a terra de Caetano Veloso e Maria Bethânia), no Recôncavo Baiano, proclamou um Brasil independente e unificado sob a autoridade de Pedro I. Vinte e um dias depois, a 40 km dali, a Vila de Cachoeira proclamaria um governo local independente de Portugal.
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Largo Tenente Botas, em Itaparica, que leva o nome do marujo que comandou uma flotilha de pequenas embarcações defendendo a Ilha e a Barra do Rio Paraguaçu contra as investidas da marinha portuguesa |
Não se iluda com a suavidade de João Gilberto cantando
Avarandado: a Bahia é qualquer coisa, menos mansa. O dinheiro — que transitou
do tráfico de escravos à petroquímica quase sem trocar de mãos — até fica quietinho,
recostado em suas almofadas, mas minha terra é de luta.
Que o digam Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, mulheres
negras alforriadas, os alfaiates João de Deus Nascimento e Manuel Faustino dos
Santos Lira e os soldados Lucas Dantas do Amorim Torres e Luiz Gonzaga das
Virgens e Veiga, homens de pele parda. Elas e eles foram os líderes da Revolta
dos Búzios, deflagrada em 12 de agosto de 1798.
“Animai-vos, povo bahiense, que está por chegar o tempo
feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais”, dizia o
manifesto do movimento que propunha a Independência, a República e o fim da
escravidão. A Conjuração Baiana terminou em forca, degredo e exílio para seus
líderes de origem popular e escanteada nos livros de História, até muito
recentemente.
Agradecimento
Este post só pode sair do forno with a little (big) help from my friends. Obrigada pela generosidade Eduardo Dias Lima, que me cedeu a maioria das fotos que ilustram o texto. Muito obrigada, também a Gina Maria Portela, que me ajudou a encontrar imagens do Dois de Julho, e a Kau Santana, autor da foto da Maria Quitéria com as caboclas.
Salvador na Fragata Surprise
Belo trabalho, Parabéns!
ResponderExcluirParabéns! Adorei!
ResponderExcluirEu adorei obrigada por nos informar
ResponderExcluirA nossa história desse Brasil.tão lindo
Eu..apesar de tudo tenho orgulho de ser Brasileira..um abraço e fica com Deus.