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Neste quarto espartano, viveu e escreveu um dos maiores
poetas de língua espanhola do Século 20. A Casa Museu de Antonio Machado conta
uma história comovente |
Sim, Segóvia é maravilhosa e tem muitas coisas lindas pra ver na cidade. Mas, antes, deixem eu contar a vocês sobre a Casa Museu de Antonio Machado que, entre tantos encantos segovianos, foi o lugar que mais mexeu com meu coração.
O lugar que hoje recebe visitantes como Casa Museu de
Antonio Machado não é um palácio. Bem ao contrário, é uma casinha humilde e
acanhada, onde a viúva Luisa Torrego alugava quartos para fazer alguma renda.
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Graças ao trabalho dos amigos que o poeta fez em Segóvia, a casa onde ele viveu foi preservada nos mínimos detalhes |
Foi nessa “modesta pensão”, como registram os biógrafos, que morou Antonio Machado (1875 - 1939), um dos grandes poetas da língua espanhola do Século 20, entre 1919 e 1932.
Machado não é muito conhecido no Brasil, mas é difícil que
não conheça esses versos de Cantares, poema publicado em 1917 — muita gente
conhece o trecho citado por outro poeta querido, Eduardo Galeano.
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Na entrada do museu, um busto do poeta cercado de flores, onde os visitantes deixam versos escritos à mão |
Eu sou louca por casas-museus. Ver a vida doméstica de gente extraordinária sempre me faz sentir mais próxima desses personagens — e humaniza os ídolos. A simplicidade da casa do poeta em Segóvia fica ainda mais tocante quando eu lembrava do tamanho de sua obra.
Quando você for a Segóvia, experimente mergulhar um pouco na vida e na obra de um grande poeta na Casa Museu de Antonio Machado. Garanto que vai fazer bem pra sua alma como fez para a minha.
Casa Museu de Antonio Machado
Na parte da frente da Casa Museu há um pequeno jardim onde um busto do Machado (cópia de uma escultura de Emiliano Barral). As parreiras que vemos lá são do tempo do poeta.
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O quintal acanhado (no alto) e o hall de entrada da casa |
A casa foi preservada graças ao esforço dos amigos que Antonio Machado fez em Segóvia. O imóvel foi comprado por uma sociedade literária que administra o museu.
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No alto, o poeta com a mãe, irmão, cunhada e sobrinhas. Acima, Machado pelo olhar de Pablo Picasso |
A casa pode ser percorrida de maneira independente, na companhia de um audioguia que oferece muitas informações interessantes sobre o poeta e seu tempo. O museu também oferece visitas guiadas (mas eu não consegui descobrir os horários) e promove saraus e outras atividades culturais.
Se você gosta de poesia ou de história, acho que vai gostar muito de visitar a Casa Museu de Antonio Machado.
Sobre Antonio Machado
Quem me apresentou a Machado foi Federico García Lorca, de
quem sou fã desde a adolescência. A ira santa de Machado diante do assassinato
de Lorca por uma milícia fascista, nos primeiros dias da Guerra Civil Espanhola, foi o que me descreveu com mais força como é horrorosa a gente capaz de matar um
poeta que ousa discordar.
Mataram Federico/ quando a luz ainda despontava./ O pelotão de
verdugos/ não ousou olhá-lo na cara, escreveu Machado na elegia O crime foi em
Granada: a Federico García Lorca.
Leia também: A Casa de Garcia Lorca em Granada
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O poeta na Conferência das Juventudes Socialistas
Unificadas, ao lado de Dolores Ibárruri, La Pasionária, e outros dirigentes
políticos |
Menos de três anos depois, seria Machado quem morreria de frio e exaustão, cruzando os Pireneus para o exílio, pouco antes da Espanha mergulhar definitivamente em 36 anos de escuridão com a vitória final dos fascistas — Má gente que caminha e vai empestando a terra… — na Guerra Civil.
Mas, antes disso, o poeta viveu na linda Segóvia, pagando
3,5 pesetas por dia (uma soma considerada barata, na época) na pensão de Dona
Luisa. E foi feliz.
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A cozinha (no alto) e o cantinho de costura de Dona Luisa |
Antonio Machado chegou a Segóvia em 1919, designado como professor de francês no Liceu local.
Trazia consigo as memórias e o amor pela Andaluzia da infância (ele nasceu e viveu em Sevilha até os oito anos de idade), da juventude boêmia em Madri, da efervescência de Paris na virada do Século, onde passou algumas temporadas, e da Espanha profunda que descobriu nas pequenas vilas onde viveu como professor.
Vinha de sete anos de uma viuvez
sofrida — sua mulher, Leonor, morrera de tuberculose aos 20 anos de idade — mas
não a estadia em Segóvia não foi triste.
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Livros de Machado e o acesso ao quarto do poeta |
Na modesta pensão o poeta encontrou aconchego. Em Dona Luisa, suas filhas e nos demais hóspedes, encontrou uma família longe da família que ele tanto adorava.
O poeta deu aulas, ajudou a fundar a Universidade Popular
Segoviana (uma instituição gratuita para o povo da cidade), participou de animadas
tertúlias, colaborou com uma revista literária e foi o primeiro a içar a
bandeira da República Espanhola, em 14 de abril de 1931, no Ayuntamiento (Câmara
Municipal) de Segóvia.
Com a instauração da República Espanhola, Machado acabaria voltando a Madri, em 1932, onde viveu com a mãe, irmãos e sobrinhos. Continuou a dar aulas e se envolveu com entusiasmo na tarefa de modernizar e democratizar a Espanha.
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Os moradores da pensão costumavam fazer as refeições juntos esta saleta |
Com o início da Guerra Civil (em 18 de julho de 1936), ele e a família acabariam evacuados de Madri, primeiro para a periferia de Valência (para onde a República transferiu a capital) e, depois a Barcelona. Em 22 de janeiro de 1939, pouco antes da derrota final da República, a família partiu para a França, cruzando os Pireneus, em carros cedidos pelo governo legalista.
Pouco antes de alcançar a fronteira, precisaram abandonar os carros e as bagagens e seguir a pé pelas montanhas, debaixo de chuva, em pleno inverno. Já em território francês, conseguiram seguir de trem até Collioure. Em 22 de fevereiro, uma quarta-feira de cinzas, com os pulmões destroçados pela bronquite e o coração despedaçado pelo exílio forçado, morria o poeta Antonio Machado num quarto de pensão muito menos luminoso e cálido do que a casa de Dona Luisa.
Cuesta de los Desamparados nº 5
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A Casa Museu Antonio Machado fica a menos de 200 metros da Catedral de Segóvia |
Horários: domingos, segundas e terças das 11h às 14h e de quarta a sábado das 11h às 14 e das 16h às 18h. No verão (01/07 – 31/08), funciona de segunda a sábado das 11h às 14h e das 16h às 18h. Aos domingos, apenas das 11h às 14h.
Ingresso: € 4, com audioguia. Visita guiada, € 5. Estudantes até 25 anos e maiores de 65 pagam € 3. Crianças até 12 anos não pagam entrada. Grátis para todo o público às quartas-feiras, exceto feriados.
Bate e volta a Segóvia saindo de Madri
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