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O grande atrativo de Troia emana do poder de uma história
bem contada |
O caminho é árduo, a paisagem é árida, o cenário é pobre. Mesmo assim, a visita às ruínas de Troia, na Turquia, está entre uma das melhores coisas que fiz na vida.
De Istambul a Troia são cinco horas de ônibus, mais outro tanto na volta — sem contar as travessias de ferryboat.
Em torno das ruínas de Troia, você verá apenas arbustos retorcidos e o solo pedregoso, calcinados pelo sol, e o azul do mar no Estreito de Dardanelos.
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Anfiteatro escavado em Troia |
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Troia tem pelo menos nove camadas de cidades sobrepostas,
atestando a antiguidade da sucessiva ocupação do local por diferentes povos. Os
vestígios na imagem são romanos e datam da nona povoação da área |
Os vestígios arqueológicos vão muito pouco além dos restos de muros, alicerces e destroços em processo de catalogação.
Por que ir a Troia, então?
Porque nas ruínas da
cidade da Ilíada, o que importa são as palavras. É a força de um relato, composto há quase três mil anos, que torna o sítio arqueológico de Troia absolutamente arrebatador.
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As etiquetas com algarismos romanos demarcam as diversas camadas de
Troia. Guerras, tsunamis e malária devastaram as sucessivas povoações
assentadas no local, uma posição estratégica dominando a entrada
do Estreito de Dardanelos. No quebra cabeças arqueológico, a
majestosa Troia homérica teria sido a sétima cidade erguida no local |
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A placa explica a sobreposição das povoações em Troia (Tabakalar = camadas, Perioden = períodos, Strata = estratos) |
Talvez no mundo regular uma imagem valha mais que mil palavras. Estamos com pressa e a imagem — essa fração de segundo que promete descrever tudo — nos conforta.
Felizmente, há uma outra vida onde as palavras formam realidades infinitas, desenham universos e tornam lúdica e lírica até mesmo a objetividade da imagem (sei que vou apanhar, mas sustento que, até no cinema, o princípio era o verbo).
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Mais um anfiteatro romano. Este e o que você viu lá no alto
datam da oitava ou nona povoação de Troia, que compreendem os períodos
clássico, helenístico e romano |
Troia não é atração turística. O quebra cabeça arqueológico de suas nove camadas de povoações superpostas não tem esplendores arquitetônicos para oferecer à contemplação.
O sítio arqueológico de Troia também não oferece muitas oportunidades para selfies: o entusiasmo com os cliques cessa logo que os grupos de excursionistas atravessam os portões do sítio histórico, deixando para trás um cavalo de madeira meio cafona, mas muito disputado como pano de fundo para fotos.
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A "réplica" do cavalo concebido por Odisseu faz
mais sucesso que os verdadeiros vestígios de Troia |
Não há muito o que ver em Troia. Apenas pedras e fragmentos da História de nove ocupações humanas. Assentamentos que teimaram em florescer nessa faixa de terra estratégica, à beira do Estreito de Dardanelos, para, um dia, serem varridas por maremotos, guerras ou epidemias.
A Troia de Heitor (cantada por Homero) teria sido a sétima — e a mais poderosa — cidade erguida aqui.
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Restos de muros troianos contemplam o Estreito de
Dardanelos. Na narrativa de Homero, foi neste pedaço de terra que Aquiles e
Heitor se enfrentaram |
A última Troia, romana, pereceu de pragmatismo, ofuscada pelo o esplendor de Constantinopla, pelo deslocamento das rotas comerciais e consequente esvaziamento da importância militar da região.
Tudo isso vai sendo lembrado pela descrição monocórdia do guia turístico. Mas essas palavras objetivas, acessórias à imagem imediata, logo emudecem. Aqui, quem canta é a Musa.
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A Arqueologia ainda não encontrou um modo seguro de escavar
Troia sem danificar as diversas camadas de cidades assentadas aqui. A maioria
dos vestígios visíveis é da cidade romana. Mas os trabalhos prosseguem |
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Muitos vestígios de construções em Troia ficam protegidos
das intempéries por toldos |
Andando em silêncio pelas trilhas do parque, são as palavras mágicas de Homero que reconstroem as imagens do mito e da história.
Lá adiante está o mar, de onde chegaram os atreus "no côncavo de suas negras naus". Lá estão as areias que receberam corpo mutilado de Heitor. São as palavras que reerguem as muralhas e reeditam o assédio, que repovoam esse campo onde “muitas almas de heróis desceram à casa de Hades”.
Em Troia, minha alma estava voando.
Veja as dicas dessa viagem mágica às ruínas de Troia:
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Não foi muito fácil chegar a Troia, mas ir até lá foi uma das melhores decisões que já tomei em uma viagem |