14 outubro 2025

Roteiros criativos - Antigua Guatemala desafiou os terremotos e o esquecimento

Antigua Guatemala
Antigua é um encanto cercado por vulcões

Desde que me entendo por gente, sou fascinadas por cidades que parecem suspensas no tempo (talvez por conta do reino que caiu em sono profundo junto com a Bela Adormecida). Antigua Guatemala é exatamente isso, mas muito mais. É encanto colonial pousado à sombra de vulcões, aferrada à teimosia de vencer terremotos. E, ao mesmo tempo, uma cidade vivíssima.

Essa vivacidade vem do enorme contingente de estudantes do mundo inteiro que escolhem Antigua para fazer intercâmbio e aprender espanhol, do intenso colorido da arquitetura da cidade e da Cultura Maia que caminha pelas ruas, dona de seu território, desmentindo o apagamento pretendido pelos colonizadores.

Catedral de Antigua Guatemala
Parte da Catedral de Antígua, arrasada pelo terremoto de 1773, permanece em ruínas e funciona como um museu

Em uma série sobre roteiros criativos, Antigua teria que ser estrela. (Na verdade, toda a Guatemala merece a atenção de quem quer uma viagem que fuja do óbvio). Se você gosta de cidades coloniais, vai ficar apaixonada pela antiga capital da Guatemala,

Veja as dicas:


Por que visitar Antigua Guatemala


Fundada em 1542 como Santiago de los Caballeros, Antigua foi durante dois séculos o coração do poder espanhol na América Central — sede da Capitania Geral que governava territórios do México ao Panamá. No esplendor colonial, ergueram-se palácios, colégios e igrejas monumentais, com fachadas trabalhadas em estuque e interiores de ouro e madeira entalhada. 

Mas o solo inquieto insistia em sacudir essa beleza.

Entre os séculos 16 e 18, os terremotos foram os grandes cronistas de Antigua. Um após outro, os sismos transformaram catedrais em escombros, conventos em ruínas e templos em poeira, reescrevendo sua história a cada sacudida. 

Confeitaria Doña Maria Gordillo em Antigua Guatemala
Uma tradição que se mantém firme e forte em Antigua (e eu dou a maior força) é a dos doces coloniais. Esta é a Confeitaria Doña Maria Gordillo, uma das mais famosas da cidade

O golpe fatal veio em 1773, com os “terremotos de Santa Catalina”. A destruição foi tamanha que a Coroa Espanhola desistiu da velha cidade e transferiu a capital para um novo local, a moderna Guatemala da Assunção (a Cidade da Guatemala).

Santiago perdeu o posto, o nome e quase a alma. Passou a ser apenas “Antigua”, a antiga capital.

Mas Antigua Guatemala não aceitou o destino de ruína. Renasceu obstinada, teimosa, como as cidades que têm vocação para a eternidade. Parte de suas construções foi restaurada, parte permanece em ruínas — e é justamente dessa mistura de reconstrução e memória que nasce o seu encanto. Quem caminha por suas ruas de pedras irregulares é testemunha de um encontro entre o esplendor e o colapso que resulta em uma beleza rara.

O que ver em Antigua Guatemala

Ruínas da Catedral de Antigua Guatemala
Ruínas da Catedral de São José

Antigua se estende por um vale cercado por três vulcões — Agua, Fuego e Acatenango —, que ora se escondem sob a névoa, ora emergem dramáticos no horizonte, como sentinelas guardando uma joia colonial. 

A Catedral de San José, que um dia foi o maior templo católico da região, é hoje metade igreja, metade museu. Parte foi restaurada e ainda acolhe fiéis; o restante permanece como um esqueleto poético de pedra e arcos abatidos, lembrando o Convento do Carmo de Lisboa. A luz entra por aberturas improváveis, tocando as colunas partidas e mostrando cicatrizes.

Arco de Santa Catalina em Antigua Guatemala
O Arco de Santa Catalina é a atração mais fotogragada de Antigua

Entre as ruínas e as reconstruções, Antigua pulsa viva. O Arco de Santa Catalina, com sua torre de relógio, é moldura perfeita para o vulcão Água. 

O arco é o maior cartão-postal da cidade e ponto de encontro dos viajantes. Freiras cruzavam por dentro dele no século 17, para não serem vistas em público. Hoje, turistas e moradores esperam a hora exata em que as nuvens se abrem para fotografar o vulcão dentro de sua moldura.

Colégio dos Jesuítas de Antigua Guatemala
O antigo Colégio dos Jesuítas agora é sede de um centro cultural muito interessante
Imagem do Deus Sol no museu do Colégio dos Jesuítas de Antigua Guatemala
O deus sol Kinich-Ahau é representado como um jaguar

A poucos quarteirões, o Colégio dos Jesuítas guarda outro tipo de memória. De escola de elite colonial a ruína esquecida, transformou-se em centro cultural e museu de arte pré-colombiana, onde as figuras do deus-sol maia, Kinich Ahau, parecem dialogar com os balcões floridos dos claustros espanhóis. 

É esse tipo de encontro — entre a herança maia e o barroco europeu — que faz de Antigua um território simbólico, onde as camadas da história não se apagam, apenas se sobrepõem.

Outro símbolo do barroco guatemalteco é o Convento de La Merced, com sua igreja pintada de amarelo vivo e adornada de arabescos brancos. Poucos templos de Antigua sobreviveram tão bem aos terremotos. 

Fonte dos Peixes do Mosteiro de La Merced em Antigua Guatemala
Fonte dos Peixes do Mosteiro de La Merced

O mosteiro, no entanto, cedeu aos abalos. Hoje, seu pavimento superior está em ruínas. No térreo, o destaque é a famosa Fonte dos Peixes, em forma de ninfeia — flor sagrada para os maias, símbolo da criação do mundo. A fonte sintetiza Antigua, reunindo o catolicismo dos colonizadores e a cosmovisão ancestral dos povos nativos da atual Guatemala.

No coração da cidade, o Parque Central é o respiro e o ponto de convergência. As fachadas do antigo Cabildo e do Palácio dos Capitães-Gerais, a Catedral e o Ayuntamiento enquadram a praça, onde estudantes, artistas e viajantes se misturam sob árvores centenárias. 

Catedral de Antigua Guatemala
A Catedral de Antigua vista do Palácio del Ayuntamiento, sede do governo colonial

Antigua não é um museu congelado — é um organismo em equilíbrio entre passado e presente. Suas cicatrizes são parte do charme, suas ruínas, um lembrete de que a beleza também pode nascer da impermanência. 

Visitar Antigua Guatemala é mais do que ver monumentos: é compreender o poder da resistência, a poesia da ruína e a delicadeza de uma cidade que insiste em permanecer inteira, mesmo quando o chão treme.

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