27 novembro 2025

Minha Odisseia nos passos de Ulisses

Roteiros de viagem inspirados na Ilíada e na Odisseia

Ulisses — sim, o cara da Odisseia — tem sido um guia de turismo bem presente na minha vida.

Minhas grandes inspirações pra viajar sempre vieram das músicas, do cinema e dos livros. Beatles, Jane Austen, Ricardo Coração de Leão, García Lorca são alguns queridos que já me levaram pela mão, mais de uma vez, em jornadas deliciosas. Mas ninguém me acompanhou tanto por aí quanto Ulisses.

Outro dia, relendo trechos que sempre me encantaram, me peguei contabilizando minhas viagens inspiradas na Odisseia (e Ilíada, também) e percebi que pelo menos seis dos meus roteiros foram desenhados com a colaboração do relato de Homero.

Das ruínas de Troia à ilha de Ítaca — passando por Malta, Lisboa e Nápoles — eu também tenho uma pequena odisseia pra contar. Uma jornada que ainda não terminou e que veio sendo construída aos poucos, como me ensinaram os versos de Konstantínos Kaváfis:

Faz votos de que o caminho seja longo,
que numerosas sejam as manhãs de verão
em que, com prazer, com júbilo,
entres em portos nunca dantes vistos.

Seguindo os passos de Ulisses — que passou dez anos tentando voltar pra casa — eu venho completando minha própria odisseia devagarzinho, totalmente encantada com as belezas que compõem o mapa dessa aventura.

Veja minha jornada real pelos lugares da Odisseia:

Minha Odisseia — Pelo mundo nos passos de Ulisses


Capítulo 1
Delfos: onde tudo começa


Santuário de Delfos na Grécia
Nada importante na Grécia era decidido antes da consulta ao Oráculo de Delfos

Não, Delfos não aparece na Odisseia — ou, pelo menos, não no fragmento da obra que chegou aos nossos dias. Mas o grande centro espiritual da Grécia Antiga é o ponto de partida perfeito para esta jornada, porque era para lá que convergiam governantes e chefes militares antes de qualquer campanha armada: ninguém ia à guerra sem ouvir as previsões e os conselhos da Pitonisa.

Por quase doze séculos — dos tempos arcaicos aos primeiros séculos do cristianismo — gregos, romanos e até cristãos primitivos vinham perguntar tudo ao oráculo, de casamentos a decisões de Estado.

Nas versões pós-homéricas, Ulisses também teria vindo até aqui antes de partir para Troia. Fez oferendas, pediu conselho, tentou agradar Apolo. O mesmo fizeram Agamêmnon de Micenas, Menelau de Esparta e Calcante, o adivinho oficial dos helenos na campanha.

Segundo autores gregos tardios, até Príamo, rei de Troia e pai de Páris e Heitor, consultou o oráculo sobre o destino da cidade — e Apolo teria avisado que Troia estava destinada a cair. Se ele deu crédito ao deus Sol, já não dá pra dizer. O que se sabe é que Príamo também não acreditaria nas posteriores — e similares — profecias de sua filha Cassandra, amaldiçoada por Apolo a enxergar o futuro com nitidez e a nunca ser levada a sério.

Visitei Delfos duas vezes, em 2012 e 2024.

Sobre Delfos:
Delfos, o centro do mundo
Dicas práticas de Delfos
Museu Arqueológico de Delfos na Grécia


Capítulo 2
Esparta, o estopim


Esparta na Grécia
A Esparta contemporânea costuma ficar fora das rotas turísticas

Esparta é território de Leônidas, não de Ulisses — que provavelmente nunca passou por lá (embora seu filho Telêmaco tenha vindo perguntar pelo pai, como conta Homero). É também a sede do poder de Menelau, rei da Casa dos Atreus e irmão de Agamêmnon de Micenas.

E não dá para contar essa história sem passar por Esparta: foi daqui que Helena, mulher de Menelau, partiu com Páris, acendendo o pavio da confusão toda.

Esparta atingiu seu auge entre os séculos 6º e 4º a.C., quando seu exército de hoplitas — a infantaria pesada — e a rígida disciplina militar fizeram da cidade a mais temida potência terrestre da Grécia. Dominou o Peloponeso, comandou a Liga do Peloponeso e derrotou Atenas na Guerra do Peloponeso, garantindo prestígio por gerações.

A Esparta de hoje é uma cidadezinha de cerca de 32 mil habitantes, quente e seca, onde uma estátua de Leônidas — pudicamente vestido com um saiote quase romano (os espartanos combatiam nus ou apenas com a couraça) — vigia a entrada do Estádio Municipal.

Esquecida pela maioria dos roteiros turísticos — a Grécia tem tantos lugares extraordinários que Esparta acaba parecendo modesta demais no conjunto — a cidade preserva um sítio arqueológico e um museu que está entre os mais antigos do país.

Estive rapidamente em esparta duas vezes, em 2012 e 2024.


Capítulo 3
Micenas: onde a guerra ganhou forma


Sítio Arqueológico de Micenas na Grécia
Ainda hoje é possível sentir a majestade de Micenas, a grande metrópole helena na Idade do Bronze

As muralhas ciclópicas de Micenas, centro do poder político, militar e naval dos helenos na Idade do Bronze, são o cenário oficial da decisão de invadir Troia. Foi aqui que Agamêmnon reuniu suas forças, sacrificou o que não deveria — a própria filha, Ifigênia — e tomou decisões que o acompanhariam até a morte.

Chefe da Casa dos Atreus, Agamêmnon, rei de Micenas, era o comandante supremo da coalizão grega que marchou contra Troia. Depois de receber o pedido de ajuda do irmão mais novo — o monarca traído Menelau, rei de Esparta pelo casamento com Helena — coube a ele costurar alianças, convocar exércitos e manter unidos chefes orgulhosos como Aquiles, Odisseu, Ájax e Diomedes, homens que não obedeceriam a qualquer líder. É também Agamêmnon quem comanda a frota que parte de Áulide rumo a Troia.

Atravessar a monumental Porta dos Leões, na cidadela de Micenas, foi uma das maiores emoções da minha vida de viajante. Estive ali duas vezes e nunca esqueço o impacto daquelas muralhas na subida ao Mégaron, no topo da cidade — e a vista quase infinita para o mar e as montanhas da Argólida, como se o próprio mundo micênico ainda respirasse ali.

Visitei Micenas em 2012 3 2024, nas duas viagens que fiz à Grécia,

Sobre Micenas:
Micenas, terra de gigantes
10 atrações históricas no Peloponeso


Capítulo 4
Troia: o marco zero da errância


Ruínas de Troia na Turquia
Troia, a cidade que caiu pela paixão de um príncipe

Troia é o fim da guerra e o começo de todas as viagens. Ulisses parte daqui acreditando que em poucos dias veria Ítaca. O destino — ou os deuses — tinha outros planos.

A visita a Troia é uma das melhores coisas que vivi. Não porque o sítio arqueológico às margens do Estreito de Dardanelos (o Helesponto da Antiguidade) ofereça grandes espetáculos visuais. A paisagem é árida, as ruínas são discretas, e nada ali convida a selfies. Mas as pedras dispersas, os muros baixos e o solo queimado pelo sol guardam uma força que só as palavras conseguem tecer: é o relato homérico, vivo há três milênios, que conduz a visita.

Cavalo de Troia
Diz a lenda que o Cavalo de Troia foi obra de Ulisses

O verbo poderoso reergue muralhas e devolve os heróis à cena, diante do mesmo mar onde aportaram as “negras naus” lideradas pelos Atridas. Em Troia, quem canta é a Musa — e a alma, leve, voa.

Visitei Troia em 2012.

Sobre Troia:
Ruínas de Troia na Turquia - o poder da palavra
8 sítios arqueológicos pra sua lista de viagens


Capítulo 5
Sicília: monstros, feiticeiras e o mar que engole navios


Vulcão Etna na Sicília
Conta a lenda que os ciclopes viviam nas encostas do Vulcão Etna, na Sicília

A Sicília é praticamente o parque temático da Odisseia.

Polifemo, o ciclope, vivia por aqui, As ilhas de Eólo ficam logo ao lado, E Cila — o monstro marinho de seis cabeças, devoradora de marinheiros — ainda parece vigiar o Estreito de Messina, de mãos dadas com a voragem de Caríbdis, o redemoinho capaz de engolir navios inteiros.

Minha estadia na Sicília foi muito mais amena que a de Ulisses: Taormina, suspensa entre mar e montanha, Palermo, inesperada e arrebatadora, os templos gregos de Agrigento — os mais espetaculares fora da Grécia — e a culinária deliciosamente simples fizeram da viagem uma alegria.
Mas foi Odisseu quem me trouxe até aqui. Obrigada, velho amigo, por mais essa dica preciosa de roteiro.

Visitei a Sicília em 2014/2015, um roteiro de inverno.

Roteiro pela Sicília - com paradinhas em Nápoles e Roma


Capítulo 6
Nápoles: um legado de Ulisses

Castel dell'Ovo em Nápoles na Itália
O ilhote onde hoje está o Castel dell'Ovo seria o local da fundação de Nápoles por Ulisses

Nápoles é mais um enorme motivo de gratidão a Ulisses. A cidade — talvez a mais arrebatadora que já vi — jura ter sido fundada por ele. O herói da Odisseia rivaliza com Hércules no papel de Niemeyer/Lúcio Costa da Antiguidade: entre uma façanha e outra, sempre arrumavam tempo para seu lado arquiteto-urbanista 😊.

A antiga Partênope teria nascido quando Ulisses, livre das Sereias (mas não do caos), aportou na Campânia e fincou raízes no mesmo ilhote rochoso de Megaride onde hoje repousa o Castel dell’Ovo. Foi ali, segundo a lenda, que ele lançou os alicerces da futura e gloriosa Nápoles.

A cidade ganhou o nome da sereia Partênope, que se lançou para a morte ao fracassar em arruinar Ulisses com seu canto.

Nápoles é mais sedutora que as sereias: mar azul cobalto, colinas dramáticas, camadas infinitas de vida — e um caos adorável que enredaria qualquer herói, por mais estóico ou bem amarrado ao mastro de seu barco. Já escrevi aqui na Fragata que não conhecer Nápoles é desperdiçar a vida. Continuo firme nessa convicção.

Visitei Nápoles em 2007 e em 2014. E vivo cheia de planos para voltar.

Sobre Nápoles:
O que fazer em Nápoles - 10 razões para amar a cidade
Dicas práticas de Nápoles
Os Quartieri Spagnoli de Nápoles - uma aventura neorrealista
Não conhecer Nápoles é desperdiçar a vida


Capítulo 7
Herculano: mais uma cidade que Ulisses (talvez) fundou

Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda
(O Homem que Matou o Facínora, John Ford, 1962)

Ruínas de Herculano na Itália
Herculano, congelada no tempo pelas cinzas do Vesúvio

Se Nápoles reivindica Ulisses como fundador, Herculano faz o mesmo — e com uma ousadia ainda maior. As tradições romanas mais tardias contavam que o herói, ao navegar pelo Golfo de Nápoles depois de escapar das Sereias, teria aportado ali e fundado Heracleia, que mais tarde se tornaria Herculano. A cidade teria recebido o nome do outro urbanista mitológico, Hércules, mas a pedra fundamental, dizem, quem lançou foi o rei de Ítaca.

A arqueologia, claro, conta outra história. A Herculano que visitamos hoje não nasceu do mito, mas se congelou nele. Enterrada pela erupção do Vesúvio em 79 d.C., quando uma onda piroclástica transformou casas, ruas e vidas em carvão e silêncio, ela preserva um instante cristalizado da Roma imperial. Andar por suas ruas é atravessar um portão para outro tempo — tão firme e vívido que às vezes parece que alguém acabou de sair da sala ao lado.

Em meio a mosaicos, pórticos e casas surpreendentemente intactas, pensar que heróis antigos teriam passado por este golfo não parece exagero. O Mediterrâneo tem dessas coisas: mistura bravamente o que aconteceu com o que poderia ter acontecido.

Minha visita a Herculano — muito mais contemplativa que a de Pompeia — teve esse sabor. Ao contrário da cidade vizinha, onde o impacto vem da escala, Herculano emociona pela intimidade: salas que ainda guardam afrescos vibrantes, madeiras carbonizadas que sobreviveram dois milênios, pedaços de cotidiano esquecidos.

 Herculano é um desses lugares onde a fronteira entre história e lenda não importa.

Visitei Herculano (e sua irmã Pompeia) no finzinho de 2014.

Sobre Herculano:
Herculano, a "irmã" menos famosa de Pompeia
Como visitar Pompeia e Herculano a partir de Nápoles

Capítulo 8
Malta: a doce/amarga prisão em Ogígia


“Mas ele, sentado à praia, como sempre,
Consumindo a alma em prantos, ais e penas,
Fitava o mar estéril, olhos em lágrimas
(Homero, Odisseia, Canto V)

Escultura Ulisses e Calipso de Rebeca Matte
Ulisses e Calipso, de Rebeca Matte, no Museu Nacional de Belas Artes do Chile

Na Ilha de Gozo, em Malta, fiz mais uma escala da Odisseia. Segundo a tradição, ela é a mitológica Ogígia, a ilha onde viveu a ninfa Calipso e onde Ulisses passou sete anos numa espécie de cativeiro, docemente contrariado, nos braços apaixonado da ninfa que não o deixava partir.

Conta Homero que Ulisses naufragou da costa de Gozo e assim acabou enredado na teia de Calipso, até que o deus Hermes trouxesse a ordem de Zeus para que a ninfa o deixasse seguir sua viagem de volta a Ítaca.

Uma caverna na Baía de Ramla, na Costa Norte de Gozo, é apontada pela lenda como sendo o lar de Calipso. Era um local bem concorrido entre os visitantes, até ser interditada ao público por risco de desmoronamento — destino que teve a mais famosa atração turística de Gozo, a Janela Azul, um arco de pedra no litoral Noroeste da ilha, que ruiu em 2017.

Ilha de Gozo em Malta
Ilha de Gozo, em Malta

Gozo é a segunda ilha mais importante do país-arquipélago que é Malta, pequeninho, mas cheio de atrações bacanas, como a famosa LagoaAzul, na Ilha de Comino, praias, cidades amuralhadas, como Mdina e as Três Cidades, e templos megalíticos mais antigos do que as pirâmides do Egito.

Na ilha de Gozo, a atração mais conhecida é a cidade murada conhecida como Cittadella, onde brilha a Catedral da Assunção, do Século 17.

Visitei Malta e a Ilha de Gozo em 2019.

Sobre a Ilha de Gozo:
Malta: Ilha de Gozo e a Cittadella

Capítulo 9
Lisboa: rumo aos limites do mundo

Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual, se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta é a ditosa pátria, onde fundara
Ulisses a cidade tão famosa
(Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto III)

Marco dos Descobrimentos em Lisboa
Lisboa olha para o Tejo e o Tejo olha para o mar


Lisboa também reclama Ulisses como fundador. Olisipo para os fenícios (e, depois, para os romanos), tem mesmo uma alma de mar que combina com a errância da Odisseia e com o desbravar do desconhecido. 

A cidade seria o fruto de uma grande aventura de Ulisses, que teria se aventurado além das  Colunas de Hércules (Gibraltar) rumo ao mar exterior (o Atlântico), até o fim do mundo conhecido. É nesse contexto que o historiador Estrabão (64 a.C.– 24 d.C.) atribui a ele a fundação da cidade.

A paternidade de Ulisses pode ser disputada, mas eu amo imaginar Lisboa como filha do meu herói — o mito é o nada que é tudo, já disse Fernando Pessoa. Aquela luz única, o sobe e desce das colinas, os barcos riscando o Tejo para cima e pra baixo formam uma paisagem que só pode ter origem na mais épica das histórias.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
(Fernando Pessoa, Ulisses)

Ulisses foi convertido em navegador contra a própria vontade — pela maldição de Poseidon, depois que nosso herói cegou o ciclope Polifemo, protegido do deus dos oceanos. Seus herdeiros portugueses, porém, fizeram do mar identidade e profissão de fé e foram muito além dos limites do mundo conhecido, partindo do estuário onde o herói da Odisseia plantou sua capital.

Sempre que olho para o Tejo, imagino o rei de Ítaca subindo o rio e — como se não bastassem todos os outros caminhões de motivos — me apaixono um pouquinho mais por Lisboa.

Já visitei Lisboa pelo menos meia dúzia de vezes, a última delas em abril de 2024. É uma cidade pra voltar sempre, mesmo.

Capítulo 10
Mani: a porta da Casa de Hades

Ali descemos ao Érebo e à pavorosa morada de Hades
(Homero, Odisseia, Canto XI)


Península de Mani na Grécia
Península de Mani: montanhas, mar e muita história

Na minha segunda viagem à Grécia, um dos lugares inegociáveis do meu roteiro foi a Península de Mani. A porção mais ao sul do território grego (e da Europa continental) atrai pela história e pela fama de seu povo calado, duro e tenaz.

Mani também é o local onde autores pós-homéricos apontam estar localizada a entrada do Reino de Hades — a morada dos mortos — mais precisamente na caverna de Tênaro, na pontinha extrema da península.

Segundo a Odisseia, Ulisses desce ao Reino dos Mortos para aconselhar-se com Tirésias, o profeta cego, sobre o caminho de volta a Ítaca (uma espécie de dica de viagem de Circe). No texto de Homero, porém, a entrada da Casa de Hades não fica em Mani, mas nos confins do mundo conhecido, ou simplesmente onde o mundo acabava — daí a travessia das Colunas de Hércules, a chance de fundar Lisboa no Atlântico, e não no Mediterrâneo, que era sua praia.

Historicamente, a Península de Mani é uma terra assolada por piratas, por disputas entre clãs (como as vendetas corsas) e pelos klephts — bandoleiros que viviam nas montanhas e se tornaram aguerridos guerrilheiros no combate ao Império Otomano, o que fez de muitos deles heróis da Independência da Grécia.

A paisagem montanhosa e árida de Mani despenca num mar de azul profundo, margeada por pequenos vilarejos pesqueiros. No interior, cidades erguidas em pedra nua lançam um tom dourado sobre o panorama.

Com apenas 18 mil habitantes, Mani encanta com sua rusticidade e seu ar de Grécia autêntica.

E, se você quer um cenário cem por cento homérico, a Ilíada sugere que foi na pequena Githio — porto dominado por Esparta — que Páris e Helena passaram sua primeira noite juntos, antes de embarcarem para Troia.

Visitei a Península de Mani (e, especialmente, as vilas de Areópolis e Githio) em 2024.



Capítulo 11
Cefalônia: quase em casa


Não espero nada. Não temo nada. Sou livre 
(Nikos Kazantzakis)

Ilha de Cefalônia na Grécia
A deslumbrante Cefalônia pode ter sido a Ítaca de Homero

Fazia umas quatro horas que eu tinha chegado em Cefalônia e a ilha paradisíaca do Mar Jônico — destino de férias muito queridinho dos norte-europeus — me apresentou seu mais famoso cartão de visitas: um terremoto de pouco mais de 4 graus na Escala Richter sacudindo a terra.

Foi só um soluço do núcleo da Terra, porque o resto da minha estadia não teve mais solavancos, reais — como é marca da ilha — ou figurados.

Muitos estudiosos apontam Cefalônia como a verdadeira Ítaca de Homero — há inclusive uma lenda de que a Ítaca real, ali do lado, teria sido separada da ilha maior por um terremoto, embora não haja qualquer evidência concreta disso.

O que dá pra dizer é que a paisagem hipnótica de Cefalônia — montanhas vertiginosas sobre um mar deslumbrante, litoral recortado, pontuado por grutas e portos estreitos — merece perfeitamente ser cenário de uma narrativa épica.

E eu aposto que Ulisses adorava tomar banho de mar naquelas praias, das mais perfeitas que encontrei na Grécia.

Estive em Cefalônia em maio de 2024.


Capítulo 12
Enfim, Ítaca


É melhor que ela dure muitos anos,
e que, já velho, ancores na ilha,
rico do que ganhaste no caminho,
sem esperar que Ítaca te dê riquezas
(Konstantínos Kaváfis, Ítaca)

Estátua de Ulisses na Ilha de Ítaca na Grécia
Falar o quê, né? Só oi, velho amigo, finalmente eu vim te ver

As viagens já me deram muitos nós na garganta — cara, eu entrei no quarto de John Lennon, em Mendips — mas é difícil descrever meu estado de espírito quando me vi diante das falésias brancas de Ítaca, ainda a bordo da lancha que me levou de Cefalônia até lá.

E foi quase um acidente: eu já tinha quase desistido de visitar a ilha de Ulisses quando um cartaz numa loja fechada na orla de Argostoli, em Cefalônia, me apresentou o número de telefone de uma agência que promovia passeios até lá.

Conta Homero que, ao pisar novamente em sua ilha, disfarçado de mendigo, Ulisses precisou reconquistar a própria casa, enfrentar os pretendentes à mão de Penélope, restabelecer a ordem e, só então, tornar a ser rei.  

A Ítaca de verdade é uma Grécia aconchegante, colorida e nada grandiloquente. Um lugar onde enseadas quase íntimas acolhem barquinhos de pesca e janelas entreabertas parecem piscar para os poucos visitantes.

Olhando aquela ilha nada solene, dá pra entender perfeitamente por que um herói épico lutaria por dez anos para voltar, depois de outros dez travando uma guerra — eu levei mais de sessenta anos para chegar lá.

A Ítaca real não tem a agitação de destinos turísticos consagrados. Ainda bem. Mas, como Troia, é um lugar de fazer a alma voar.


Próximos capítulos

Embarcação grega

There's such a lot of world to see
(Johnny Mercer, Moonriver)

Minha Odisseia não acaba em Ítaca — ou, pelo menos, assim espero. Ainda há muitos portos onde pretendo pisar, seguindo, sempre que der, os passos de Ulisses.

Minha lista começa por Corfu (Grécia), a antiga Esquéria, terra dos feácios, onde Ulisses finalmente encontra hospitalidade e descanso antes do retorno. Outra aventura no meu mapa afetivo é atravessar o Estreito de Messina — eu fui pra Sicília de avião, agora quero navegar — para ver se Cila e Caríbdis vão dar o ar da graça.

Lugares citados na Odisseia de Homero
 
Os tesouros arqueológicos de Pilos (na Baía de Navarino, Grécia) também estão no topo da minha lista. Quero ver de perto o Palácio de Nestor, o velho conselheiro de Ulisses, a Tumba do Guerreiro do Grifo, da Idade do Bronze, e os túmulos tipo tholos escavados na região. Em 2025, foi aprovado o plano de modernização do museu arqueológico local — e eu já estou doidinha para visitar.

Outro lugar que vem piscando no meu radar é a Ilha de Djerba, terra dos Lotófagos na Odisseia, onde crescia o fruto do esquecimento — quem provava dele perdia a vontade de voltar pra casa. A Tunísia, aliás, está no topo da minha lista de desejos: quero ver Cartago, a cidade de Aníbal — outro cara que também me inspira uma bela odisseia.

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